Ted Lasso traz uma dose exagerada e necessária de otimismo

Quem assiste aos primeiros episódios de Ted Lasso pode pensar que se trata de uma obra que busca fazer as (boas e…) velhas piadas sobre os diferentes costumes de estadunidenses e britânicos. Afinal, a série conta a história de um técnico de futebol americano, nos EUA, contratado para treinar um time de futebol (esse que nós mais conhecemos) na Inglaterra.

A série nasceu depois de um conjunto de comerciais estrelados por Jason Sudeikis (de Colossal, 2016) para a cobertura da NBC Sports da Premier League, em que o ator surgiu pela primeira vez como o técnico de futebol americano “descobrindo” outro esporte com o mesmo nome — pelo menos para o resto do mundo, já que nos EUA soccer seria o “nosso” futebol e football o “jogado nos EUA”.

Muito além de piadas com café e chá, sentido de direção, as regras dos jogos e referências pops de culturas diferentes, Ted Lasso é sobre ter otimismo, algo que cai muito bem nesses dias, mesmo que de forma exagerada. Quando o técnico desembarca em solo londrino com o seu braço direito, Técnico Beard (Brendan Hunt), começa uma série de situações que seriam típicas nesse tipo de contexto, ou seja: as piadas citadas acima.

Mas basta Ted começar a se relacionar com o elenco do modesto AFC Richmond, time fictício da Premier League (a primeira divisão da Inglaterra), e com a dona do clube, Rebecca Welton (Hannah Waddingham, de Sex Education) para começarmos a ver que não se trata de uma série sobre esses elementos ou, muito menos, de futebol.

As duas temporadas até então disponíveis da série da Apple TV divertem e emocionam na mesma dose, fugindo do tradicional humor pastelão de muitas sitcoms americanas, mas não sendo exatamente ácida como as séries inglesas. Um grande ponto de destaque em Ted Lasso é a riqueza de seus personagens. Tirando alguns jogadores do elenco que fazem participações pontuais, todos os integrantes da trama têm a devida atenção e profundidade.

O técnico que dá nome à série pode até ser o vórtice de alguns eventos dos episódios, mas está longe de ser essencial a todos os acontecimentos. A amizade de Rebecca com Keeley (Juno Temple, de Malévola, 2014 e 2019) independe dele, por exemplo, e essa relação é uma das forças da série e protagonista de um dos momentos mais marcantes de toda a segunda temporada. Personagens como o veterano jogador Roy Kent (Brett Goldstein) também possuem personalidade forte e muito própria, diferente do ingênuo roupeiro Nathan (Nick Mohammed), que consegue mostrar pouco de si, só que ganha outros contornos graças à amizade com Ted.

O futebol, presente, mas nunca efetivamente um protagonista, parece ser desconstruído, por mais que cenas de vestiário e o ego de jogadores — sobretudo de Jamie Tartt (Phil Dunster), estrelinha e artilheiro do time — estejam ali. Na série, as amizades, o espírito de equipe e a relação dos jogadores com sua própria história e o clube acabam sendo mais importantes do que o próprio resultado, mera consequência de tudo isso — mesmo que, nem sempre, a vitória venha. Algo que, possivelmente, não acontece no mundo real.

Cada pessoa na série tem um papel fundamental para a trama como um todo. No fim, o conjunto de boas histórias que cada personagem carrega, contadas de maneira dosadas, mas bem aprofundadas, mostram que o nome da série ser Ted Lasso é quase injusto. Bem como alguém pensar que a série é sobre futebol. Pode até ter o esporte mais popular do mundo como plano de base para o enredo, e até render boas participações, como dos ex-jogadores Thierry Henry e Gary Lineker.

No fim, é uma série sobre “acreditar”, palavra fundamental para a atração e para os dias de hoje. Se você assistir a Ted Lasso e ainda acreditar que a dose de otimismo é exagerada, tente se lembrar do que estamos passando atualmente. Talvez nem seja suficiente.

A série foi uma das maiores vencedoras do Emmy 2021

Kael Ladislau

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