Querido Evan Hansen é mais Broadway em Hollywood

Um grande número de musicais tem chegado ao Cinema, e boa parte é baseada em shows do teatro. No entanto, é bom ressaltar que sucesso em um meio não é garantia no outro. Mesmo que se use o mesmo roteiro, as mesmas músicas ou até o mesmo protagonista. Parece que os responsáveis por Querido Evan Hansen (Dear Evan Hansen, 2021) achavam que o jogo estava ganho. E se surpreenderam com o fracasso da adaptação.

Vencedora de vários prêmios, entre eles o Tony, o Grammy e o Emmy, a peça acompanha um adolescente com um caso sério de ansiedade que é aconselhado pelo psicólogo a escrever cartas para ele mesmo e, assim, tentar encarar a rotina mais tranquilamente. Sempre começando com “Querido Evan Hansen…”, ele busca escrever mensagens positivas, mas nem sempre o efeito é o desejado.

Em um dia qualquer, acontece um incidente: um colega tido como esquisito e igualmente sem amigos pega a carta de Evan na impressora e, algum tempo depois, comete suicídio. A carta é interpretada como uma mensagem de despedida a um amigo, já que todos acreditam que Connor, o esquisito, a teria escrito para Evan. O jovem é então recebido na família do falecido e as coisas tomam uma proporção louca.

Se levando muito a sério, o filme fica num limbo perigoso. Chama a atenção para problemas psicológicos que muitos têm, mas coloca uma dessas pessoas como um psicopata que se aproveita de uma situação trágica para realizar uma fantasia romântica. Evan é uma criatura odiosa por várias razões, inclusive por tratar mal a mãe que está sempre se matando de trabalhar para poder prover para os dois. Ele mente para literalmente todo mundo. No filme, é tratado como um coitadinho.

Na comédia de humor negro O Melhor Pai do Mundo (World’s Greatest Dad, 2009), algo parecido acontece, mas o ângulo abordado é cômico e nunca busca desculpar o comportamento terrível do falecido, que era um babaca. Robin Williams era um pai que tentava limpar a barra do filho, que morreu acidentalmente numa tentativa de sentir prazer sexual.

Como o protagonista, desde a peça de 2015, temos o mesmo Ben Platt (de A Escolha Perfeita, 2012 e 2015), que já está fisicamente bem mais velho e fica parecendo um policial infiltrado na escola, quase como em Anjos da Lei. Mas Platt e sua peruca acabam sendo o menor dos problemas de Querido Evan Hansen. A música que Evan canta como se fosse o falecido falando da irmã parece algo saído de Game of Thrones, bem incestuoso. E a relação dele com Connor logo toma uma conotação gay, que vira piada no filme mas não deixa de ser real. Logo, parece que Evan deseja os dois irmãos, o que não era a intenção.

Como temos Stephen Chbosky na direção, que assina o ótimo As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower, 2012), esperamos por algo num rumo parecido, com uma sensibilidade no mesmo tom. Quando o filme começa e Evan entra na escola cantando, percebemos o quanto ele é invisível para os colegas. Nem os populares o atacam, como costuma acontecer. Os atletas, que têm cara de terem trinta anos, como os atores de Riverdale, o ignoram. Ou, no máximo, têm nojo dele.

Alguns clichês aparecem, mas são bem trabalhados. Evan se interessa não pela líder de torcida, mas pela menina da banda. A presença de Nik Dodani, o pretenso pegador de Atypical, como um homossexual popular, é uma brincadeira com a persona dele. Mas logo o filme coloca a culpa de Connor ser tão estranho na relação com os pais, como se quisesse ter uma explicação para o mal. Assim, o filme vai se alternando entre erros e acertos. A dinâmica entre Evan e a família Murphy é complexa, já que um parece preencher um vazio no outro. E a personagem Alana (Amandla Stenberg, de Tudo e Todas as Coisas, 2017), a líder de turma, é das mais interessantes, disfarçando suas inseguranças com atividades extracurriculares.

Mas mesmo Alana sofre as consequências de um roteiro afobado (de Steven Levenson, de Fosse/Verdon) que aproveita mal as situações que cria. Se começa bem, com uma hora e meia de exibição, Querido Evan Hansen já rolou o barranco, levando a um final previsível, irritante e moralmente dúbio. Nem todos os talentos envolvidos salvam a produção, e até as músicas premiadas de Justin Paul e Benj Pasek (mesma dupla de La La Land, 2016, e O Rei do Show, 2017) ficam mal encaixadas e cansativas. O elenco, que traz gente do calibre de Julianne Moore, Amy Adams (as duas de A Mulher na Janela, 2021) e Kaitlyn Dever (de Inacreditável, 2019) é desperdiçado em personagens unidimensionais que só faltam descascar cebolas para fazer o público chorar.

Adams e Moore repetem a dobradinha de A Mulher na Janela em outro filme ruim

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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