Kate Winslet volta à TV com Mare of Easttown

A dois episódios de acabar, completando sete, a minissérie Mare of Easttown se firma como uma das melhores dos últimos anos. É certo apostar que Kate Winslet estará em todas as premiações da televisão, certamente a melhor coisa da atração. Mas é preciso ressaltar que todas as peças estão devidamente encaixadas, o que permite à protagonista alçar voos mais altos. O elenco de apoio é ótimo e ajuda muito ter um diretor e um roteirista apenas, contribuindo com a unidade do projeto.

Vindo do elogiado (e fraco) O Caminho de Volta (The Way Back, 2020), Brad Ingelsby usou muito de sua própria experiência crescendo em uma cidadezinha norte-americana para criar a fictícia Easttown Township, uma cidade que parece saída da imaginação de David Lynch, algo como vimos em Veludo Azul (Blue Velvet, 1986). Aparentemente, é tudo muito tranquilo, bucólico, até chato. Mas, olhando direito, todos têm suas manias, seus pecados, até seus crimes.

Nesse esquema de rotina do interior, conhecemos a detetive Marianne Sheehan, Mare para os íntimos. Além de investigar há um ano o desaparecimento da filha de uma amiga, Mare lida com a bagunça de sua própria vida. Um filho morto, que deixou para trás uma criança pequena e uma nora viciada, e um divórcio não superado montam um quadro bem problemático. Para ajudar, a mãe ainda volta a morar com ela, sendo uma fonte frequente de brigas.

Com maquiagem e figurinos bem discretos, Kate Winslet convence como uma mulher pouco vaidosa, prática, sempre preocupada com os crimes que investiga. Tudo é construído nos diálogos, no sotaque bem específico do interior da Filadélfia e no trabalho físico, desleixado, típico de uma pessoa real, comum. Dez anos depois de sua Mildred Pierce (2011), Winslet voltar a deixar o telespectador embasbacado na tela pequena, além de seus vários trabalhos premiados na grande. Mesmo sendo uma mulher cheia de falhas, não pensamos duas vezes antes de torcer por ela.

Dando vida aos demais moradores de Easttown, temos intérpretes da melhor qualidade. Jean Smart, que esteve recentemente nas séries Watchmen, Legião e Dirty John, dá várias dimensões à mãe de Mare, sempre trocando de papéis com a filha, ora vilã, ora a voz da razão. A melhor amiga da detetive é vivida por Julianne Nicholson (de The Outsider), atriz discreta e não menos brilhante que as colegas. Do lado masculino, destaque para Guy Pearce (de Sem Remorso, 2021), David Denman (de Brightburn, 2019) e Evan Peters (o Mercúrio dos X-Men da Fox). Mas o show é mesmo das mulheres, com Winslet à frente.

O roteiro de Ingelsby quebra expectativas, fugindo do óbvio, e traz questões interessantes. Por exemplo, o fato de Mare ser tratada como a estrela da cidade por um jogo de basquete ganho na escola, mas ver a si mesma como uma farsa. E o escritor de Guy Pearce ser reverenciado por ter escrito apenas um livro e nada mais, o que também o faz se achar menos. A direção de Craig Zobel (de A Caçada, 2020) junta bem os elementos, como a trilha sonora discreta e a ótima fotografia, que explora bem tanto a cidade quanto cômodos menores. Em poucos dias, conheceremos os últimos episódios, mas Mare of Easttown ainda fará barulho por um bom tempo.

Com Pearce, num dos poucos momentos de paz da atribulada Mare

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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