Depois que WandaVision chutou a porta, Falcão e o Soldado Invernal (The Falcon and the Winter Soldier) estreou com a responsabilidade de manter alto o nível das séries do Universo Cinematográfico Marvel que a colega estabeleceu. Sem o tom nostálgico de homenagens, a série parte para algo mais sisudo. Não deixa de ter humor, mas há temas sérios sendo tratados. Mas não se engane: o forte, ali, é a ação.
Da mesma forma que a série de Wanda Maximoff era sobre luto e o sentido da vida, Falcão é sobre honra, legado, o lugar de cada um no mundo e, acima de tudo, a questão do negro na sociedade. Especificamente, na norte-americana. Para quem se escondeu em uma caverna nos últimos anos, é bom explicar que a história começa após os eventos de Ultimato (Avengers: Endgame, 2019), filme que conclui a fase três do UCM. O Capitão América (Chris Evans) entregou o escudo para o amigo Sam Wilson (Anthony Mackie) e, já idoso, despediu-se das aventuras heroicas.
Com o estalar de dedos de Thanos revertido, todos os cidadãos que haviam sido desintegrados voltaram, após um intervalo de cinco anos. E o governo americano se vê na obrigação de reintegrar essas pessoas. No submundo, um grupo é formado para, por meio de atentados, obrigar o comitê responsável a manter o mundo como era quando as pessoas sumiram. “Um mundo, um povo” é o lema dos Apátridas, liderados por Karli Morgenthau (Erin Kellyman, de Han Solo, 2018), versão feminina de um vilão dos quadrinhos.
Sam e Bucky Barnes (Sebastian Stan) se reencontram nas homenagens ao amigo deles, o Capitão Rogers, e logo descobrem que os Estados Unidos precisam que alguém vista as estrelas e listras que tanto deram esperança ao povo. Um novo capitão do exército é escolhido, o condecorado John Walker (Wyatt Russell, de Operação Overlord, 2018), e temos novamente um Capitão América. Completando o caldo, o roteiro ainda consegue uma forma inteligente de trazer de volta dois personagens queridos do público: a agente Sharon Carter (Emily VanCamp) e o Barão Helmut Zemo (Daniel Brühl).
Quem acompanha os filmes desse universo conhece os nomes citados e vibra por acompanhar esses desdobramentos. Os fãs de quadrinhos têm uma ideia de onde tudo isso vai chegar. Mas ninguém consegue prever como tudo isso vai se amarrar. E há ainda o envolvimento de Isaiah Bradley (Carl Lumbly, de Doutor Sono, 2019 – abaixo), um super soldado negro mantido preso por décadas para testes. Com Sam Wilson como protagonista, a questão do negro nos Estados Unidos ganha força.
É interessante ver um herói reconhecido no mundo todo, um Vingador, que não consegue um empréstimo no banco para pagar as dívidas da família. Sam foi escolhido por Steve Rogers como seu sucessor, mas sente que não será aceito apenas pela cor da sua pele. E Bucky, que luta contra seus próprios demônios, não entende as escolhas de Sam. Com uma relação algo como Um Estranho Casal (The Odd Couple, 1968), os dois estão sempre aos trancos, mas compartilham os mesmos objetivos.
A metáfora do soro do super soldado é bem interessante. Se você quer conhecer bem uma pessoa, dê poder a ela. Steve Rogers era um herói às antigas, alguém que não vemos mais por aí. Os recursos tecnológicos inventados por Tony Stark, Hank Pym, SHIELD, HYDRA ou até os cientistas de Wakanda permitem que qualquer um se torne um super-herói. Mas ter a força correndo no sangue realmente revela o interior do sujeito.
O conceito de terrorismo é outra discussão que a série traz. Quando se justifica o uso da violência por uma causa? Provavelmente nunca, mas Sam se identifica com o discurso de Karli, que realmente acredita no que defende. E o herói construído pela política e pela mídia, o novo Capitão América, inspira desconfiança desde o início. Atuações corretas seguram bem o drama criado por Malcolm Spellman (de Entourage), que já está contratado para escrever Capitão América 4.
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