Dividindo crítica e público, Eu Me Importo (I Care a Lot, 2020) chegou à programação da Netflix entre elogios e acusações. Trazer Rosamund Pike como uma vilã fria e calculista evoca na hora memórias de Garota Exemplar (Gone Girl, 2014). Mas, aqui, ela é a protagonista que se aproveita da brecha entre Estado e iniciativa privada para explorar idosos. Humor negro do início ao fim, com diversas situações politicamente incorretas e nem um personagem eticamente admirável. Ou seja: uma ótima diversão.
Eu Me Importo acompanha uma personagem completamente canalha, que usa o nome bem construído como uma espécie de assistente social particular para se responsabilizar por clientes idosos que não dão mais conta de cuidar de suas próprias vidas. Ao invés de assegurar os interesses dos clientes, ela trata de vender todas as posses deles e pegar os valores como o salário que ela merece por olhar por eles. E os esquece em alguma clínica ou asilo.
Antes de entrar em detalhes sobre o filme, é necessário esclarecer que não tenho a menor ideia de como funciona essa questão de tutela de incapazes acima de certa idade. Se o que vemos ali é possível, não sei dizer. Se é, é fato que se trata de um buraco gigantesco no cumprimento dos direitos do ser humano. O pé atrás de alguns quanto ao filme pode começar aí. Teria que ser um juiz muito incompetente e um Estado totalmente complacente com a possibilidade real de golpe. Nada disso é impossível, claro.
Os problemas de Marla Grayson (Pike) começam quando ela assume as responsabilidades sobre uma cliente (a ótima Dianne Wiest, de A Mula, 2018) que aparentemente é perfeita: rica e sem parentes para reclamarem herança. Logo, aparece um advogado defendendo a suposta pobrezinha e a vida de Grayson começa a correr riscos. A dela e a da parceira de crime Fran (Eiza González, de Alita, 2019), que a auxilia em todas as etapas do golpe. Até nas pessoais. Todos os envolvidos no esquema passam a correr riscos, como por exemplo a médica responsável pelos atestados falsos (Alicia Witt, da série O Exorcista).
Com a chegada em cena do personagem de Peter Dinklage (o Tyrion de Game of Thrones), nos certificamos de que ninguém ali presta. E reside aí uma das maiores e mais frequentes críticas a Eu Me Importo: não há ninguém para torcer nessa trama, já que todos são criminosos e capazes das jogadas mais baixas. Como se isso fosse razão para dar nota baixa a um filme. Eu, como espectador, quero mais é que o pau quebre e que gere muitas situações interessantes e divertidas. Se não há um único ser íntegro, que eu torça para o roteiro, a montagem, a trilha sonora, o figurino, as interpretações…
Quem assina roteiro e direção de Eu Me Importo é J. Blakeson, responsável pelo também interessante O Desaparecimento de Alice Creed (The Disappearance of Alice Creed, 2009). Os dois longas têm um tom parecido, a cada personagem falta caráter e sobram intenções escondidas. Em Eu Me Importo, no entanto, algumas saídas são fáceis e peças se encaixam com uma tranquilidade questionável. À medida que a trama avança, essas estranhezas vão aparecendo e podem incomodar. Mas segue sendo um prazer ver os talentos de Pike, Dinklage e Wiest em cena até o final, que faz todo sentido.
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