Carey Mulligan é uma jovem promissora em busca de vingança

Responsável por um dos filmes mais comentados da temporada, que certamente vai receber diversas outras indicações a prêmios, além das que já recebeu, Emerald Fennell chama mais a atenção por trás das câmeras que na frente. Mesmo elogiada como Camilla Parker Bowles na série The Crown, ela está se tornando conhecida pelo talento na direção e roteiro. O título original de seu mais recente trabalho, Promising Young Woman (2020), parece fazer referência a ela mesma. Pena que o título nacional, Bela Vingança, fique num lugar comum de gosto duvidoso. Mas isso não é culpa de Fennell.

Parte de um movimento interessante e necessário de valorização da mulher na sociedade e no Cinema, Promising Young Woman ataca com ainda mais ferocidade que seus colegas (como Pieces of a Woman ou A Assistente) e expõe um tipo que deve aparecer com certa frequência por aí: o abusador conhecido como “cara legal”. O filme dá a entender que muitos homens são bonzinhos por falta de oportunidade de mostrar seu verdadeiro caráter. Ou falta dele. Até mesmo podem ter tido essa oportunidade, mas o fato ficou bem escondido.

Esta crítica não entrará em detalhes da trama (como de costume), por isso ficaremos apenas nas ideias discutidas. Como, por exemplo, o fato de que certas transgressões só ficam impunes pela passividade e até cumplicidade de outros. Várias são as situações que o roteiro apresenta que nos fazem pensar. Você pode não ter cometido o crime, mas era capaz de impedi-lo? Foi apenas mais um a rir e fazer piadinhas? Analisando de perto, sobra culpa para muita gente.

No papel principal, como a promissora jovem mulher do título, temos a versátil Carey Mulligan, que pode conseguir sua segunda indicação ao Oscar (a primeira foi por Educação, 2009, pelo qual levou o BAFTA). Podendo ser vista na Netflix no novo A Escavação (The Dig, 2021), como uma viúva de posses no pré-guerra, Mulligan faz aqui um papel completamente diferente: uma moça aparentemente frágil que guarda muito ódio e é perfeitamente capaz de explodir. Inclusive, o faz sistematicamente.

Como a história inclui vários personagens, alguns com participações rápidas, o elenco do filme é bem sortido. Conta com gente “clássica”, como o guarda sádico de Um Sonho de Liberdade (1994), Clancy Brown, e a “mãe do Stifler” (de American Pie), Jennifer Coolidge, indo a um pessoal mais novo, como Alison Brie (de Vigiados, 2020) e Bo Burnham (de A Noite É Delas, 2017), passando pelo quase cult “McLovin” (de Superbad, 2007), Christopher Mintz-Plasse (acima). Sobra ponta até para Adam Brody (de The O.C.), Molly Shannon (ex-SNL) e Connie Britton (de Dirty John, 2018). Todos bem encaixados, apenas ajudando a contar uma boa história.

A sociedade promove a violência contra a mulher o tempo todo e as instituições não oferecem qualquer auxílio. Esta parece ser a tese oferecida por Fennell, e muito bem defendida. Nem com provas a mulher é ouvida. Ao mesmo tempo, sabemos que o abusador é antes de tudo um covarde, como os trabalhadores que assediam, mas ficam constrangidos caso haja reação da “vítima”. Se filmes como Parasita (2019) mostram que os pobres se cansaram de ser explorados, Promising Young Woman indica que as mulheres devem começar a revidar os constantes ataques que sofrem.

A diretora e sua estrela: duas jovens promissoras

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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