Assim como o aumento na participação dos dois lados da câmera, a indústria do Cinema tem voltado seu foco para as mulheres também nas histórias que conta. Essa mudança, mais do que bem-vinda, é necessária, e dois frutos chegaram recentemente a serviços de streaming. Na Netflix, temos Pieces of a Woman (2020), longa criado por um casal a partir da dor de um aborto pelo qual passaram. E na Amazon Prime Video, A Assistente (The Assistant, 2019) reflete o movimento Me Too, que vem ajudando vítimas a revelarem os abusos sofridos em relações profissionais de poder.
Originalmente uma peça de teatro, Pieces of a Woman foi escrito pela húngara Kata Wéber como uma espécie de terapia após perder o filho que esperava com o marido e parceiro nas produções, Kornél Mundruczó. Responsável pela adaptação, ela assina o roteiro, enquanto ele dirige. É fácil perceber o clima de teatro que vez ou outra permeia as cenas, que se passam quase sempre em lugares fechados. É bom deixar claro que não se trata de uma história real, apenas parte de uma.
Na tela, temos uma ótima atuação de Vanessa Kirby, inclusive premiada como Melhor Atriz no Festival de Veneza. Ela chamou muita atenção na série The Crown e depois nas aventuras Missão Impossível – Efeito Fallout (2018) e Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw (2019), ganhando aqui uma oportunidade como protagonista. Kirby traz intensidade ao papel e é ela quem ocupa momentos no filme em que absolutamente nada acontece. A primeira meia hora, em especial, demanda muito da atriz.
Se inicialmente parecia que veríamos um drama sobre uma família em vias de ter o primeiro filho, logo temos a intromissão da mãe dela (vivida pela ótima Ellen Burstyn, que pretende ser a mais velha indicada ao Oscar) e entramos em uma longa questão jurídica. O filme perde seu foco e depende totalmente da interpretação de seu forte elenco – além de Kirby e Burstyn, tem também Shia LeBeouf (de Corações de Ferro, 2014), propositalmente colocado para escanteio na divulgação por alegações de má conduta.
O clima de dramalhão teatral é reforçado pela trilha sonora intrusiva, que não facilita as coisas. Pieces of a Woman não chega a ser uma perda de tempo, mas fica entre altos e baixos que enfraquecem o resultado. As opções de câmera são elegantes e criativas, com segmentos longos filmados sem cortes aparentes. O final, que tenta ser poético, não é bem inovador, mas coerente com o que vimos até então.
No streaming da Amazon, temos a estreia de A Assistente (até então, sem legendas em português). A roteirista e diretora Kitty Green faz sua estreia em um longa ficcional, mas ainda fica bem próxima da realidade com uma história que pode muito bem ter acontecido em alguns escritórios em Nova York, Los Angeles, e quem sabe no Rio ou SP. Basta haver uma relação de poder e o lado mais forte abusar da situação.
Julia Garner vive a assistente Jane, uma garota que tem uma grande oportunidade ao entrar para a equipe de um figurão e começar, assim, a trilhar seu próprio caminho rumo à produção de filmes. Dando o sangue no trabalho, Jane chega antes do Sol nascer e é das últimas a irem embora. Mesmo assim, a vemos sendo colocada de lado pelos vários homens à sua volta, que compartilham as fofocas entre si e a deixam de fora.
A diretora é muito habilidosa ao montar o quadro. Com diálogos ágeis em meio a tarefas enfadonhas, entendemos junto com Jane o que está acontecendo. A garota suspeita que o chefe usa as candidatas a estrelas que recebe em sua sala de forma inapropriada. E o pior é ver que todos ali parecem saber o que acontece. É por isso que criminosos como o famoso Harvey Weinstein conseguiram ir longe com o caminho livre para mais assédios e abusos.
Com uma obra mais enxuta que a colega da Netflix, Green consegue dar seu recado em 90 minutos. Garner, lembrada por séries como Ozark e Dirty John, cria uma personagem interessante, dedicada e falível. Assim como Vanessa Kirby, já é cotada para as premiações desse ano. Como as duas são bem novas, oportunidades não faltarão para elas brilharem mais.
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