Em 1941, foi lançado um filme que até hoje aparece em listas diversas como o melhor de todos os tempos, ou um dos. Cidadão Kane (Citizen Kane) fez a fama do jovem prodígio de Hollywood, Orson Welles, então com 24 anos de idade. Mas também enterrou sua carreira, com poucas exceções memoráveis. O diretor, roteirista, ator e produtor fez o filme como um ataque direto a um magnata da imprensa da época, William Randolph Hearst, que teria movido seus pauzinhos para assassinar Welles artisticamente.
Na cerimônia do Oscar no ano seguinte, das nove indicações que emplacara, Cidadão Kane (abaixo) levou apenas a estatueta de melhor roteiro original. A grande mente por trás da obra foi obrigada a dividir o prêmio com o veterano Herman J. Mankiewicz, o que levanta uma dúvida: qual foi a parte da contribuição de cada um nesse roteiro? É daí que nasce Mank (2020), produção original Netflix que esmiúça essa questão trazendo o outro roteirista como protagonista e, de quebra, dando uma boa olhada na Hollywood clássica.
Desde a década de 90, o jornalista e escritor Jack Fincher era obcecado pela história de Mankiewicz, conhecido pelos amigos pelo diminutivo Mank. Depois de pesquisar bastante, e fontes não faltam, escreveu esse roteiro, que ficou muitos anos guardado. Muito interessado pelo período, ele chegou a escrever um pré-roteiro de O Aviador, posteriormente descartado por Martin Scorsese. Agora, 17 anos após a morte de Jack, seu filho famoso, David Fincher, resolveu fazer várias homenagens ao mesmo tempo, mas principalmente ao pai. Com óbvias e não creditadas contribuições próprias, levou o roteiro à Netflix e ganhou sinal verde para a produção.
Mank, entre idas e vindas no tempo, começa quando o acidentado Mankiewicz (Gary Oldman, de A Lavanderia, 2019) é contratado por Orson Welles (Tom Burke, de The Crown) para escrever Cidadão Kane. O problema é que o roteirista, alcoólatra e dono de uma língua ferina, estava queimado na indústria do Cinema e só era chamado para trabalhos não identificados, como a revisão que fez no roteiro de O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939). Welles pretendia ficar com todo o crédito por Kane, projeto tido como 100% dele.
Apresentações feitas, o longa nos mostra que, na verdade, quem estava perto de William Randolph Hearst (vivido por Charles Dance, de Godzilla II, 2019) era Mank, que teria escrito a maior parte do roteiro de Kane. E o roteirista era muito próximo de Marion Davies (Amanda Seyfried, de Anon, 2018, roubando cenas – acima), uma atriz do segundo escalão que era a notória amante de Hearst. Com o cenário real todo em mente, Mank partiu para a versão ficcional e criou Charles Foster Kane, o milionário que, após a sua morte, tem a vida investigada por um repórter.
Usando Mank para escancarar as fofocas, intrigas e mentiras da época, Fincher nos mostra um pouco dos bastidores dos anos de 30 e 40 de Hollywood, desfilando nomes famosos como Louis B. Mayer, David O. Selznick, Irving Thalberg e Joseph Mankiewicz, irmão mais novo de Mank que se tornaria um grande e premiado profissional da área. Muito atual ao enfocar a produção de fake news em eleições, o filme faz um rápido tratado sobre ética e consciência, mostrando as consequências de se envolver em um projeto apenas pela oportunidade que trará ao envolvido.
Talvez esse seja o pecado de Fincher: com um biografado tão rico, de uma época tão efervescente, ele perde o foco. Ao invés de construir um fio investigativo obsessivo como em Zodíaco (Zodiac, 2007) ou de desenvolver algo aparentemente simples, ainda que sombrio, como em Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), o diretor abraça o mundo e se perde em várias linhas narrativas. Contando com um ótimo elenco e colaboradores tão bons quanto os habituais Trent Reznor e Atticus Ross, que fizeram uma trilha só com instrumentos da época, ou com a linda fotografia em preto e branco de Erik Messerschmidt (de Mindhunters), até um Fincher menor fica obrigatório.
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