Jessica Chastain é a assassina Ava

O mote de ter uma organização obscura caçando seu próprio assassino para queima de arquivo não é novo. Mas Jason Bourne prova que, se bem utilizado, o clichê pode dar uma boa chacoalhada no gênero de ação. Ava (2020) é mais um longa a usar esse expediente, mas não se preocupa muito com a razão para essa caçada. Na falta de um roteiro que preste, voltamos nosso olhar para os demais elementos em cena. E, se tem algo que segure as pontas, esse algo se chama Jessica Chastain.

Em Salt (2010), tínhamos uma trama intricada, que por vezes deixava o público no escuro. Mas amarrou bem as pontas e é até hoje um mistério a razão de não ter ganhado uma sequência, já que tinha toda cara de ter essa pretensão. Apesar de mais simples, Ava vai pelo mesmo caminho: parece que estamos assistindo a um piloto de uma série ou ao início de uma franquia. Seria a oportunidade de acrescentar o conteúdo que faltou aqui.

A grande diferença entre Ava e outros filmes similares é o foco na vida pessoal da protagonista. Conflitos familiares não são tão comuns no gênero. Em 1996, Geena Davis estrelou O Despertar de um Pesadelo (The Long Kiss Goodnight), que trazia questões que iam nessa direção. Agora, a atriz vive a mãe da protagonista, uma senhora amargurada que se surpreende ao receber uma visita da filha no hospital. Elas não tinham contato há muito tempo. E conhecemos também Judy (Jess Weixler, de It – Capítulo 2, 2019), a irmã que herdou o namorado de Ava (vivido por Common, de Noite Sem Fim, 2015).

Com essa relação mal resolvida com a mãe e a irmã, a assassina tem que dividir sua atenção entre os empregadores que parecem insatisfeitos com ela e a família. A única razão dela ter arrumado confusão na firma é o fato dela perguntar para as vítimas, na iminência de matá-las, se elas sabem a razão de estarem sendo eliminadas. Ava não quer matar ninguém inocente, ao que parece, e o patrão não gosta dessa proximidade.

Representando a tal organização, temos duas figuras bem conhecidas do público: John Malkovich (de Ted Bundy, 2019) e sua voz inconfundível, fazendo o mentor de Ava, e Colin Farrell (de Magnatas do Crime, 2019), o tal chefe que também tem a dinâmica familiar mais ou menos apresentada. A rapidez e o descaso como tudo é tratado dão a impressão de que o roteirista Matthew Newton tinha um conceito em mente, o que foi suficiente para atrair esse grande elenco. Mas não soube desenvolvê-lo e acabou abandonando a direção, que ficou com o sofrível Tate Taylor (de Histórias Cruzadas, 2011, e A Garota no Trem, 2016).

Chastain, vindo dos blockbusters It 2 e X-Men: Fênix Negra (2019), tem carregado muitos filmes nas costas, e Ava é mais um. Linda e talentosa, ela tem carisma suficiente para se recuperar dessa besteira. Mistério é como Taylor continua dirigindo filmes depois de tantos fracassos. Se estar bem colocado entre as atrações mais vistas da Netflix garantir sobrevida a Ava, os envolvidos terão a chance de corrigirem seus erros. Mas é difícil esse fiapo de história ficar melhor.

John Malkovich é o recrutador e figura paterna para Ava

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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