Em toda temporada de premiações, temos aqueles filmes medíocres, que não fogem dos piores estereótipos, e que acabam chamando a atenção por algum motivo. Distribuído pela Netflix, o exemplar do momento é Era Uma Vez Um Sonho (Hillbilly Elegy, 2020), que tem toda cara de isca de Oscar. Com atuações fortes e algumas sequências emocionantes, a obra fica a maior parte do tempo onde muitas outras já passaram. E sem metade do brilhantismo.
Com um nome bem famoso na direção, o premiado Ron Howard (de Uma Mente Brilhante, 2002), o longa ainda traz como carro-chefe duas atrizes excelentes até então injustiçadas pela Academia norte-americana. Glenn Close (de A Esposa, 2017) e Amy Adams (de A Chegada, 2016) vivem mãe e filha num drama que deveria exaltar o estilo de vida de habitantes de estados tidos como caipiras, como Kentucky e Ohio, mas só reforça lugares comuns e dramas familiares frequentemente vistos nos chamados (de forma pejorativa) “filmes da semana da televisão”. Algo como um Álbum de Família (August: Osage County, 2013), que não passou de um irritante agrupamento de celebridades.
O protagonista vem da terceira geração dos Vance, o garoto J.D., que acompanhamos em vários recortes de sua juventude. Quando adulto, na expectativa de conseguir o estágio dos sonhos de qualquer estudante de Direito, ele se vê obrigado a voltar às origens para acudir a mãe. Beverly (Adams) é a trágica vítima do universo: faz todo tipo de burrada e coloca a culpa em quem puder. J.D. Vance é o próprio autor do livro, que aproveita para exorcizar seus demônios.
Vivido por Owen Asztalos e Gabriel Basso (acima) nos dois momentos de sua vida, J.D. é sempre bem representado. Basso pode ser lembrado por Super 8 (2011) ou pela série The Big C e mostra competência, apesar do roteiro colocá-lo em situações mequetrefes. O mesmo que acontece com Close e Adams. Com pouco, elas fazem muito e são a grande atração desse Era Uma Vez Um Sonho. Um toque de maquiagem ajuda com o passar dos anos e cenas nos créditos comprovam o quão perto elas chegaram fisicamente de suas biografadas.
Volta e meia, vemos atrizes lindas se enfeiando, provando que têm muito mais a oferecer que beleza. Foi assim com Charlize Theron em Monster (2003) e Nicole Kidman em As Horas (The Hours, 2002) e parece ser o caso de Adams aqui. Se ela ganhar um Oscar pelo papel, entra no caso de atores que acabam sendo recompensados em papéis menores depois de várias esnobadas, como Leonardo Di Caprio e Denzel Washington. Um Oscar para Amy Adams nunca será desmerecido, mas poderia ter sido por outros trabalhos superiores. E tudo isso vale também para Glenn Glose, que tem boas chances como coadjuvante.
Com pequenos acenos a temas impactantes, o filme ensaia propor determinadas discussões, mas passa reto. O papel do avô, por exemplo, nunca é desenvolvido, não entendemos exatamente qual a importância dele na vida da família. Seria ele o culpado pelas malcriações de Beverly, já que a mimava tanto? E a relação com a esposa, era abusiva ou de descaso? E o paralelo entre deixar a casa numa cidadezinha e ir para a capital e deixar um país como a Índia e ir para os EUA? Fica apenas no vislumbre. A roteirista Vanessa Taylor não se aprofunda e mostra que o sucesso de A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) se deve muito mais à direção que a seu roteiro raso e esquemático. E Howard, que já foi capaz de Cocoon (1985), Apollo 13 (1995) e Frost/Nixon (2008), está longe de seus bons trabalhos.
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