Rebecca ganha nova roupagem, ainda inesquecível

Publicado em 1938, o livro Rebecca, de Daphne Du Maurier, já ganhou várias adaptações para o Cinema e a TV, sendo a primeira delas a mais famosa, dirigida por ninguém menos que Alfred Hitchcock (em 1940) e vencedora dos Oscars de Melhor Filme e Fotografia em preto e branco. Graças à Netflix, a história ganha agora uma nova versão para se comunicar com um público mais jovem. Diga-se de passagem, bem parecida com a clássica.

Rebecca – A Mulher Inesquecível (2020) traz algumas diferenças em relação ao filme de Hitchcock e até ao livro de Du Maurier, mas a trama básica segue a mesma: uma garota de origem humilde conhece um milionário viúvo, eles logo se casam e ela descobre que a memória da falecida segue firme, a assombrando. Enquanto o casal passeia pela Europa, tudo segue às mil maravilhas. Os problemas começam quando chegam à suntuosa mansão do sujeito.

Nos papéis que deram indicações ao Oscar a Laurence Olivier e Joan Fontaine (ambos vencedores por outros trabalhos) em 1941, temos agora Armie Hammer (de Me Chame Pelo Seu Nome, 2017) e Lily James (de Yesterday, 2019), ambos muito bons. Hammer, apesar de americano, dá a pompa inglesa necessária a Maxim de Winter, enquanto James segura bem as mudanças de sua personagem, uma jovem insegura e manipulada. Ela, inclusive, tem um longo rol de heroínas literárias em sua carreira, incluindo Cinderela (2015).

A falta de um nome para a protagonista reforça a falta de identidade dela: além de não gostar de mencionar a família, ela agora se identifica com a do marido, passando a ser apenas a Sra. de Winter. Ela passa de uma mera acompanhante de uma senhora rica (Ann Dowd, de Hereditário, 2018) a esposa de um homem rico. Acompanhamos, no filme, sua jornada rumo a formar uma personalidade. É como ela diz: tudo o que sabe, leu em livros, lhe falta experiência.

A pedra no meio do caminho da nova Sra. de Winter chama-se Sra. Danvers, a governanta de Manderley. A casa enorme demanda vários criados para mantê-la, e é Danvers quem coordena tudo. E é ela também que faz questão de manter o nome Rebecca na boca de todos. As duas tinham uma relação muito próxima e foi Danvers quem mais sentiu a morte de sua patroa.

Assim como fez Judith Anderson na versão de 40, Kristin Scott Thomas (de Tomb Raider, 2018) cria um tipo ameaçador, sempre parece ter algo mais acontecendo além do que podemos ver. Danvers permanece fiel a Rebecca e não aceitará facilmente a nova Sra. de Winter. O filme perde ritmo exatamente quando a personagem aparece menos, deixando de lado o clima de suspense e assumindo um mais de dramalhão.

Em seu primeiro filme americano, Hitchcock ia tomar várias liberdades no roteiro, mas o poderoso produtor David O. Selznick exigiu o máximo de fidelidade possível ao livro. Essa é a mesma opção do diretor Ben Wheatley e seus roteiristas, apesar de vermos algumas pequenas diferenças. Ainda que desacelere no terço final, o resultado é melhor do que muita coisa lançada por aí e se destaca entre as opções oferecidas pela Netflix.

Manderley, a casa dos de Winter, é de fato intimidadora

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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