Entre os grandes vilões do Cinema, já há uma vaga garantida para o juiz Julius Hoffman, e com o diferencial de ele ter realmente existido. Hoffman presidiu o julgamento do caso que agora chega à Netflix numa adaptação fantástica de Aaron Sorkin. Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago 7, 2020) traz o que o diretor e roteirista faz de melhor: diálogos diretos, inteligentes e enxutos. Nem precisava ter tantos ótimos atores. Ou tratar de assuntos tão atuais.
Em setembro de 1968, a participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã seguia firme, jovens eram enviados ao outro país aos milhares e o número de mortos crescia a cada dia. Grupos estudantis e pacifistas iam aproveitar a convenção do Partido Democrata, que escolheria o candidato da próxima eleição à presidência, para fazer uma grande manifestação. A prefeitura de Chicago negou todos os pedidos que recebeu de autorização para marchas, comícios ou qualquer outro tipo de aglomeração.
O único evento que pôde ser realizado oficialmente foi um show habitual no extremo sul do parque Grant, onde 15 mil pessoas se reuniram. De lá, decidiram rumar à convenção, ganhando a adesão de milhares que estavam espalhados em outros atos. A polícia logo se organizou e cercou os manifestantes, partindo para o confronto e agredindo de forma indiscriminada. Muita gente foi machucada e presa ao longo de cinco dias e a conduta desgovernada da polícia ficou comprovada após uma longa investigação.
Com a eleição de Nixon para presidente, o Partido Republicano fez as usuais indicações para cargos de confiança e trocou muita gente. Numa espécie de birra, o novo Procurador Geral reabriu o caso determinado a acusar aqueles que eram tidos como líderes do movimento. Com base num dispositivo legal criado no ano anterior, a Procuradoria conseguiu montar uma acusação contra oito indivíduos que não necessariamente se conheciam ou tinham qualquer contato entre si.
Os supostos crimes seriam cruzar fronteiras estaduais para incitar revoltas, ensinar os manifestantes a produzirem bombas e impedir os policiais de cumprirem seus deveres. Os acusados pertenciam a grupos diferentes e suas personalidades não poderiam ser mais diversas. A única coisa que tinham em comum era o fato de pregarem o fim da guerra. Todos os fatos narrados acima são apresentados rapidamente para que se possa chegar ao tal julgamento do título (original), que ocupa as duas horas do filme.
Ao contrário do que possa parecer, a sessão flui muito bem, ancorada por diálogos interessantes e atuações inspiradas. Sacha Baron Cohen (abaixo), mais lembrado por comédias escrachadas como Borat (2006), se despe de qualquer maneirismo que possa usar e dá vida a Abbie Hoffman, um dos principais acusados. O trabalho do ator inglês está impecável como o hippie americano que sabia bem como entreter plateias, mas falava com muita sinceridade. Desde as primeiras exibições, Cohen já é dado como certo nas principais premiações do Cinema, um reconhecimento muito merecido e que ajudaria a diminuir o estigma que recai em comediantes, de que seriam “apenas comediantes”.
Outra estrela do elenco é o oscarizado Eddie Redmayne (o Newt de Animais Fantásticos), esse sim bem limitado em suas caracterizações. No entanto, Redmayne oferece uma atuação sóbria, correta, reforçando a impressão de que seu personagem se consideraria intelectual e moralmente superior aos demais. Tom Hayden acabou ficando famoso anos depois por se casar com a atriz e ativista Jane Fonda. Redmayne lhe faz justiça e tem certa semelhança física. Só é claramente bem mais velho que seu personagem.
Até então com dois grandes vilões na carreira, o Esqueleto de Mestres do Universo (Masters of the Universe, 1987) e Richard Nixon em Frost/Nixon (2008), Frank Langella tem a difícil missão de tornar crível uma figura que, de tão obtusa e preconceituosa, parece inventada. É curioso ver um juiz, à frente de um julgamento, que parece ter sua opinião formada desde a véspera, e Langella nos faz acreditar piamente que uma pessoa poderia agir daquela forma. Hoje, o que não falta é material de pesquisa para o ator, que tem vários modelos onde se espelhar.
Um ator que parece ter surgido há apenas cinco anos (o que está longe de ser verdade) é Mark Rylance. Com Ponte dos Espiões (Bridge of Spies, 2015), ele chamou muita atenção, ganhou Oscar e vem escolhendo a dedo seus papéis. Em Os 7 de Chicago, ele é um dos advogados e consegue passar toda a sua indignação em suas expressões. A cada momento que Rylance abre a boca, temos uma aula de interpretação. Ben Shenkman (de Namorados para Sempre, 2010) é competente como o outro advogado de defesa, mas some ao lado de Rylance.
Dentre os demais acusados, temos ainda a presença poderosa de Yahya Abdul-Mateen II (um dos vilões de Aquaman, 2018 – acima, com Rylance) como Bobby Seale, um dos líderes nacionais dos Panteras Negras, que estava em julgamento apenas por ser negro, já que não tinha nada a ver com a questão tratada. Era, inclusive, o oitavo dos sete. A atuação do juiz em relação a Seale é inacreditável e a firmeza de caráter do Pantera Negra foi decisiva para ele. O ator, premiado recentemente por sua participação na minissérie Watchmen, ainda será muito comentado e em breve aparecerá na nova versão de Candyman.
Um elenco que, além dos citados, traz Joseph Gordon-Levitt, Michael Keaton, John Carroll Lynch, Jeremy Strong e Alex Sharp mostra a força que Sorkin tem na indústria cinematográfica. Todos querem ler roteiros escritos por ele, que ganhou muitos prêmios por A Rede Social (The Social Network, 2010) e tem diversos outros trabalhos elogiados, como a série The West Wing. Lembra daquele duelo verbal entre Jack Nicholson e Tom Cruise em Questão de Honra (A Few Good Men, 1992)? Pois é, Aaron Sorkin, em sua estreia no Cinema.
Não fosse pelo ótimo figurino, pareceria que a trama de Os 7 de Chicago era atual. A forma como os fatos são distorcidos, como a verdade é montada por quem está em posição de fazê-lo. Coisas absurdas acontecem, e são ditas, e só resta a quem está em volta ficar pasmo. Ou se manifestar, como alguns fazem, e ser citado por desacato. O circo armado é tão fora da realidade que alguns dos acusados não acreditam que possam de fato ser condenados, e que aquilo trará consequências reais. Esse tipo de situação, que parece louca demais para ser verdade, se não é devidamente combatida, permite que certos ignóbeis cheguem ao poder. E essa é a crítica que Sorkin parece fazer. Nada mais apropriado ao momento.
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