Nesse período de isolamento social, maratonar séries e filmes repetidos se tornou uma distração válida. Em meio a tempos difíceis, me trouxe um certo conforto.
Para garantir que não ia me decepcionar, resolvi rever duas séries que estão entre as minhas favoritas: Friends e How I Met Your Mother são, sem dúvida alguma, duas sitcoms aclamadas e com uma legião de fãs. Por ambas terem visíveis similaridades nas histórias e personagens, são frequentemente comparadas. Alguns acham essas comparações desnecessárias, mas quem disse que a vida é justa, não é?
Premissa
Friends mostra o dia a dia de seis amigos na cidade de Nova York. Eles começam a série em seus vinte e poucos anos de idade e, apesar de terem empregos pela maior parte da série, passam seus dias juntos em uma simpática cafeteria. Desde o começo, fica claro que pelo menos algumas das amizades se tornarão romances.
HIMYM mostra o dia a dia de cinco amigos na cidade de Nova York, também em seus vinte e poucos anos de idade, mas a cafeteria é substituída por um bar chamado MacLaren’s.
Friends não tem uma premissa muito mais complexa que essa, seu charme está nos personagens e como eles encaram juntos várias situações hilárias. HIMYM, desde o primeiro instante, já deixa claro que a história não será tão à deriva. Entre os cinco amigos, temos o protagonista, Ted Mosby, que, no ano de 2030, narra para os filhos as várias histórias que o levaram ao momento em que conheceu a mãe deles, cuja identidade é um mistério para o espectador.
Personagens
Em Friends, temos a super organizada e às vezes neurótica chef de cozinha Monica Geller (Courtney Cox). Ela divide o apartamento com Rachel Green (Jennifer Aniston), que no começo da série ainda está descobrindo quem é e o que quer fazer de sua vida. O irmão mais velho de Mônica, Ross (David Schwimmer), é um recém-divorciado paleontólogo que nutre uma paixão por Rachel desde a adolescência.
Os vizinhos de frente são Joey (Matt LeBlanc) e Chandler (Matthew Perry), melhores amigos que não poderiam ser mais diferentes um do outro. Enquanto um é bem sucedido em um emprego que detesta, o outro é apaixonado por uma carreira que ainda não tem. Joey é o galã imaturo e Chandler, o piadista que morre de medo de se comprometer. Para fechar, temos Phoebe Buffay (Lisa Kudrow), a amiga que traz consigo boas doses de excentricidade e algumas canções.
Em How I Met Your Mother, o arquiteto Ted Evelyn Mosby (Josh Radnor) divide o apartamento com Marshall Eriksen (Jason Segel), um estudante de direito que acaba de ficar noivo de Lily Aldrin (Alyson Hannigan), uma professora de jardim de infância que aspira um dia se tornar uma artista. Os três eram colegas de faculdade e mantiveram a amizade ao se mudarem pra Nova York, onde conheceram o extravagante Barney Stinson (Neal Patrick Harris), que ama whisky, mágica, ternos e seduzir mulheres por apenas uma noite e nunca mais vê-las. Em uma dessas noites no MacLaren’s, Ted conhece Robin Scherbatsky (Cobie Smulders), uma repórter canadense que divide seu apartamento com vários cães.
Os grupos de amigos em ambas as séries são carismáticos, mas em Friends eles foram eternizados na história da TV. Os personagens absorveram muito bem suas características, por mais previsível fossem alguns de seus comportamentos, e o público não se cansou deles, mas espelhou neles a mesma intimidade que temos com nossos próprios amigos. Essa é a sensação que fica após conversar com vários fãs.
Num primeiro olhar, os personagens podem até ser parecidos, mas o que os diverge é a profundidade com que são retratados. Apesar das excentricidades, os personagens de HIMYM têm representações mais verossímeis. As neuras e fobias não trouxeram apenas risadas, mas mostraram também as facetas que às vezes podiam incomodar. Isso não quer dizer que os Friends eram superficiais ou perfeitinhos, mas que os criadores da série tentaram ao máximo se afastar de controvérsias, com medo de algum deles dividir opiniões e não ser mais amado pela audiência.
Narrativa e roteiro
HIMYM usa e abusa de flashbacks, fantasias, efeitos especiais e o que tem direito pra que a história, muito bem contada, não fique apenas nos cenários rotineiros ou na narrativa linear. Com uma montagem bem organizada, pequenos teasers são apresentados em diversos episódios, com os desfechos sendo revelados apenas em temporadas posteriores. Os criadores de Friends, David Crane e Marta Kauffman, fizeram dar certo com bem menos: uma narrativa linear filmada em frente a uma plateia ao vivo, diálogos engraçados e piadas espontâneas. Em contra partida, pecaram na consistência das histórias.
São perceptíveis as incongruências quanto a vários aspectos da história, como a idade dos personagens, o que gostam ou não e até como se conheceram. Décadas atrás, quando acompanhei a série pela TV, esses erros passaram batidos. Hoje, maratonando uma temporada inteira em dois ou três dias, essa falta de carinho com os detalhes incomoda um pouquinho. Enquanto uma série parece ter sido muito bem planejada e montada, a outra foi crescendo e se adaptando com o crescente sucesso, mesmo que tenha se adaptado bem.
Personagens secundários
As participações especiais em Friends pareciam entrar por um tapete vermelho: estrelas como Brad Pitt, Julia Roberts, George Clooney, Alec Baldwin, Isabella Rossellini, Jean-Claude Van Damme, entre muitos outros, deram as caras na série. Alguns tiveram participações mais extensas e que impactaram a trama, como Tom Selleck, Bruce Willis, Giovanni Ribisi, Hank Azaria e Paul Rudd. Alguns personagens, como Carol (a ex-mulher de Ross, vivida por Jane Sibbett) e sua esposa, Susan (Jessica Hecht), tiveram grande importância na primeira temporada. Mas já na segunda temporada, foram praticamente cortadas da série, algo que se repetiu lá na frente com Ben (o filho de Carol, Susan e Ross), que foi removido das telas com a chegada de Emma. Com algumas exceções, os novos rostos que apareciam eram quase sempre interesses românticos.
Ted e seus amigos também cruzaram caminhos com várias estrelas: Bob Barker, Britney Spears, Brian Cranston, Katy Perry, Jennifer Lopez, Alan Thicke. Muitos, interpretando a si mesmos. Talvez a calçada da fama de How I Met não tenha atingido o mesmo glamour. Apesar de a série focar muito em relacionamentos, muitos dos convidados não tiveram romances e mesmo assim funcionaram muito bem na trama. Personagens como “O Capitão” (Kyle MacLachlan – abaixo), Ranjit, Billy Zabka (sim, de Karate Kid e Cobra Kai) e Patrice, entre outros, tiveram participações importantes na história.
Relevância atual
Ambas as séries giram em torno de relacionamentos, amizade e romances, temas que não perdem a relevância na comédia e no entretenimento. Então, é provável que ainda hoje arranquem boas risadas.
Lançada em 1994, Friends largou na frente e colheu os frutos por sua suposta originalidade. Mesmo que, lembrando, a série tenha muitas similaridades com outros shows da época, como Living Single e Seinfeld. Ganhou vários prêmios e é referência até hoje do que se fazer, mas também do que não se fazer em uma série de humor. Muito focada na guerra dos sexos, a série normaliza comportamentos questionáveis dos protagonistas. A obsessão com uma cerimônia de casamento enorme e extremamente cara deixa a impressão de que os personagens se preocupam mais em se casar do que em dividir a vida com a pessoa amada.
São frequentes os deboches com pessoas LGBTQIA+. Em certos momentos, os personagens são tão inseguros que chega a irritar. Até o infame lugar-comum “Gay, eu? Não! Até tenho amigos próximos que são” chega a ser dito em um momento da série. Muitas piadas são às custas de Mônica (abaixo), por ter sido gorda durante sua adolescência – body shaming. Outro ponto é a ausência de diversidade. Em dez anos de exibição, podemos contar nos dedos os personagens que não eram brancos que tiveram alguma participação significativa na série.
How I Met Your Mother, lançada em 2005, aprendeu algumas lições com sua predecessora. Uma maior diversidade no elenco secundário, tanto na etnia quanto na atração afetiva. Mas a série normaliza mentiras e manipulações em relacionamentos. Barney Stinson não é apenas machista, é misógino e psicopata. O personagem chega a ser caricato e exagerado ao ponto do público nem levar a sério suas investidas, que são frequentemente criminosas. Ted, apesar de ser retratado como uma pessoa mais romântica e sensível, frequentemente se recusa a aceitar NÃO como resposta, cria expectativas em seus relacionamentos e os descarta repentinamente quando não preenchem mais sua lista de pré-requisitos. Robin e Lily frequentemente diminuem Patrice e outras mulheres que saem com Ted e Barney. Marshall não consegue ter amizade com mulheres pelo fato de ser um homem casado.
Já escutei de amigas que não conseguem mais assistir a Friends pelo ranço que pegaram de Ross e seu machismo, e que How I Met é ofensivo para mulheres. Os criadores de ambas as séries já se lamentaram por decisões tomadas. Marta Kauffman, de Friends, já disse que, com o conhecimento que tem hoje, teria feito escolhas diferentes e lamentou algumas decisões. É importante levar em consideração o contexto de cada obra, quando foi feita, apreciar sua originalidade e criticar sim seu impacto e influência. Temos outras séries que beberam dessa fonte e fazem um humor de qualidade e mais democrático. Cito aqui as queridas The Office (ambas), Sex Education e Brooklyn 9-9.
O fim
A lista de séries boas que desagradam fãs com seus finais é longa e crescente. As últimas temporadas estão longe de serem os melhores momentos de cada, mas há quem goste. O fim de Friends era o desejo do elenco. Quando a série começou, eles eram relativamente desconhecidos, se tornaram estrelas mundiais e queriam aproveitar o sucesso para emplacar novos projetos. De uma maneira geral, Friends encontrou uma fórmula boa, se ateve a ela, arriscou pouco e acertou com o público. O mesmo pode ser dito do final, sem grandes riscos ou reviravoltas, apenas aquela triste despedida e a sensação de dever cumprido. Mas, pra quem ainda não está pronto para se despedir, ainda temos o malsucedido spin-off Joey e um especial da série já em produção que reunirá o elenco original, mas que foi adiado devido à pandemia.
O fim de How I Met Your Mother… nossa! Esse é polêmico! A série foi construída de uma maneira um pouco diferente, desde o início já havia planos pra sua conclusão e tudo foi mais ousado. A história que seria contada precisaria de tempo, para nos tornarmos íntimos dos personagens e nos apegarmos às pequenas coisas, como guarda chuvas amarelos, botas vermelhas e trompas azuis. Mas quem arrisca alto pode ganhar muito ou perder tudo. Apesar do carinho que muitos ainda têm pela série, o desfecho não é um assunto popular entre os fãs.
O fim de Friends era algo que nenhum fã queria. Se dependesse de nós, Rachel, Mônica, Phoebe, Joey, Chandler e Ross seriam para sempre aqueles jovens adultos irresponsáveis, tomando café juntos no meio da tarde em uma quarta-feira qualquer. O fim de How I Met e como Ted conheceu a mãe de seus filhos já era aguardado desde a primeira temporada. Essa era uma conclusão que nós, fãs, esperávamos ansiosos. E nada mais triste do que quando as coisas terminam de um jeito que a gente não espera, não é?
Agradecimento
Agradeço a todos que contribuíram com diferentes pontos de vista, curiosidades e opiniões que me ajudaram a escrever esse texto. Essas conversas ajudaram não apenas na crítica, mas para que, em tempos de isolamento, não houvesse solidão. Vocês são mais que amigos, são Friends.
O Pipoqueiro traz comentários de mais quatro séries para você conhecer: Shrinking, Detetive Alex Cross,…
Martin Scorsese recupera imagens de 1964 para mostrar como foi a chegada dos Beatles nos…
O Pipoqueiro apresenta quatro novas séries exibidas em serviços de streaming, além de trazer um…
O Disney+ lançou Music by John Williams, documentário que O Pipoqueiro já conferiu e comenta…
O Pipoqueiro preparou um pacote de filmes de terror ou suspense para este Halloween e…
Confira o resultado de uma hipotética disputa entre DC e Marvel, já que ambas as…
View Comments
Very good!