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After Life é a série mais triste que divertida de Gervais

por Kael Ladislau

Ricky Gervais é comumente reconhecido não só por ser o criador da série The Office (a original, britânica) como também por seu humor sem papas na língua e bem ácido. No começo de 2020, apresentou pela 5ª vez o Globo de Ouro e não poupou convidados de piadas de teor bem constrangedor. Mas, quem assiste a After Life (que no Brasil ganhou o subtítulo besta à Zagallo de “Vocês vão ter que me engolir”) achando que verá só dessa faceta de Gervais, será surpreendido. A série, que está disponível na Netflix com suas duas temporadas, conta a história de Tony Johnson (Gervais), um jornalista da pequena cidade inglesa Tambury.

Tony é devastado pela morte, por câncer de mama, da esposa Lisa (Kerry Godliman). Por isso, sua vida se transforma num fado de obrigações e convívios que o deixam amargurado, e que, muitas vezes, o fazem pensar em suicídio. Essas pessoas seguem suas vidas, mas se preocupam com Tony, como seu cunhado e patrão Matt (Tom Basden), o colega de redação e melhor amigo Lenny (Tony Way) e a nova funcionária do jornal, Sandy (Mandeep Dhillon), por exemplo.

Os episódios, de 30 minutos em média, têm o ritmo despreocupado da pequena cidade em que se passa a série. E segue uma cartilha clara de roteiro que, entre outras coisas, mostra Tony acordando, vendo vídeos que sua esposa deixou para ele antes de morrer, passeando com a cadela, encontrando o carteiro Pat (Joe Wilkinson), indo até a redação, se irritando, encontrando com o pai (David Bradley) no asilo e criando coragem de conversar com a enfermeira que cuida dele, Emma (Asheley Jensen). Isso, além de ir ao cemitério ver a lápide da esposa, onde faz uma amiga, outra viúva.

O roteiro flerta com o tédio na metade de cada temporada, devido à repetição dessas ações, sempre muito previsíveis. Salvam as bizarras histórias que Tony e Lenny cobrem e personagens como o próprio colega e a prostituta Roxy (Roisin Conaty), impagáveis. Porém, Ricky Gervais tem muito mérito em continuar dando força e poder em uma história que, parece, não tem muito mais o que contar senão essa rotina pacata e frustrante de Tony. O humor característico do autor e ator é sempre vista na forma como o protagonista encara a realidade da vida, de maneira muito seca e sincera, causando graça na maioria das vezes.

Por outro lado, erra a mão em personagens como o psiquiatra de Tony e de Matt, (que sequer tem nome, vivido por Paul Kaye), mas talvez bem colocado por mostrar a sua babaquice como estúpida e sem relevância para os demais. Perigosa também é a forma como o personagem Julien (Tim Plester) é colocado na trama, e esquecido. A problemática do dependente químico tem uma solução muito duvidosa por parte de Tony e, na vida real, essa saída é muito questionável.

De toda forma, After Life é uma história triste sobre perda. E, isso, ela trabalha muito bem. Muitas pessoas conseguem passar por cima, como mostra a personagem com quem Tony conversa sempre no cemitério, Anne (Penelope Wilton), às vezes pelo próprio Tony, que insiste em tentar viver, e até mesmo por Julien. Mesmo que repetitivo, o roteiro é bem amarrado e, ainda por cima, vem com uma boa trilha musical e uma montagem que reflete a bucólica cidadezinha. After Life é mais triste do que engraçada, mas faz valer a pena para conhecer uma faceta de Ricky Gervais talvez seja pouco conhecida do público.

Os colegas de luto se encontram no cemitério

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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