Dark chega ao esperado final

por Arthur Abu

Mais um sucesso original da Netflix, Dark chega à sua terceira e última temporada. A série alemã, criada por  Baran bo Odar e Jantje Friese, deu o que falar com um roteiro bem trabalhado e narrativas complexas.

Na fictícia cidade de Winden, no dia 21 de junho de 2019, Michael Kahnwald comete suicídio se enforcando no sótão de sua casa. Ele deixa um envelope com uma carta ao lado do retrato de sua família, nele as instruções: “Não abrir antes das 22h13 do dia 04 de novembro de 2019”.

Saltando para a data em questão, seu filho adolescente, Jonas, retorna à escola após alguns meses afastado. Ele reencontra seu amigo Bartosz, que agora namora Martha, por quem Jonas claramente sente algo. Martha é filha de Ulrich, que tem um caso extraconjugal com a viúva de Michael e mãe de Jonas, Hannah Kahnwald.

Na escola, acontece uma assembleia para discutir o desaparecimento do adolescente Erik. Com exceção dos pais do garoto, a maioria dos cidadãos parece levemente indiferente com a situação. Mesmo não sendo aquele o primeiro desaparecimento reportado na pacata cidadezinha alemã.

Além das famílias ligadas à sua história, a cidade conta com uma usina nuclear, que é ligada a uma caverna que esconde um grande segredo: às 22h13, Mikkel, filho mais jovem de Ulrich, desaparece sem deixar vestígios. Na manhã seguinte, o corpo de uma criança é encontrado na floresta, mas misteriosamente não se trata de Mikkel, Erik ou outro morador de Winden que possa ser identificado.

Essa sucessão de acontecimentos nos introduz a uma história que questiona como enxergamos o tempo. A ideia de que passado, presente e futuro acontecem de maneira linear é tratada como uma ilusão. Eles estão conectados, assim como tudo está. Por isso, é preciso se atentar a todos os detalhes.

O roteiro cria vários arcos, que por mais distante que pareçam, eventualmente criam conexões uns com os outros. As linhas temporais já renderam muitos “memes” e vídeos de youtubers recapitulando as narrativas e seus personagens. Não é o tipo de série pra se assistir com o celular na mão, checando Whatsapp ou Instagram, atenção aos detalhes é crucial para uma boa experiência.

Desde a abertura, com a música Goodbye, do alemão Apparat, temos uma boa trilha. Os temas e as canções dão os tons de suspense, nostalgia e tragédia. A fotografia parece usar filtros de cores para ambientar as cenas. Tons mais cinzentos para um mundo apocalíptico e um amarelo desbotado como o de um retrato antigo compõem a fotografia captada por Nikolaus Summerer.

Dark não se apoia apenas em teorias da Física e efeitos visuais. As relações afetivas e familiares são o que impulsionam a ciência, que é a engrenagem principal, também composta por discussões filosóficas e alegorias religiosas. O elenco, predominantemente alemão, não tem rostos muito conhecidos, mas nem por isso falta competência. O sucesso da série deve render bons frutos aos atores, e também aos criadores, Baran bo Odar e Jantje Friese, que estiveram à frente respectivamente da direção e roteiro de todos os 26 episódios. Algo que é raro nas séries de sucesso de hoje em dia.

Elogios foram feitos à série por não se estender muito. A gigante do streaming é famosa por adquirir obras de outros estúdios, algumas já até canceladas, e estendê-las por mais temporadas. A fórmula adotada em Dark, de uma série propositalmente mais curta, funciona muito bem. O ritmo é o mesmo praticamente do início ao fim, o elenco principal não sofre baixas e a série consegue amarrar as pontas criadas. Seria ótimo ver mais séries como essa no futuro, ou no passado, ou no presente.

Aparentemente, sobrevivemos… Ou não?

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Concordo. Eu assisti aos episódios há pouco tempo. Lá pelo meio da série, eu já tinha comentado aqui em casa que o final seria estilo Efeito Borboleta - foi um pouco de feeling, já que essa é a pegada na maior parte dos temas que prendem atenção das pessoas.

    Também me chamou bastante atenção a discussão filosófica e religiosa em torno do (in)exitência do livre arbítrio (tudo se repetia), ainda que houvesse a discussão sobre multiverso. Mas, como sabemos, essa abstração é própria do pensamento alemão. Nada melhor do que acessar a cultura dos outros países dessa forma.

    Apesar de tudo, eu ainda acho que a série não acabou nesta temporada. O grande obstáculo para a exploração um pouco mais duradoura desta série é o envelhecimento/crescimento de todos os atores. Sem a sua troca ou substituição, toda originalidade fica prejudicada. O que importa é que valeu a pena. E eu ainda aposto na quarta temporada.

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