por Marcelo Seabra
Com um pequeno intervalo, chegam aos lares brasileiros dois longas estrelados por Ben Affleck, ambos com resultados bem próximos. Enquanto aguardamos para descobrir se o ator volta ao manto do Homem-Morcego para mais uma aventura da Liga da Justiça, é possível conferir seus trabalhos mais recentes em serviços de streaming. Na Netflix, temos A Última Coisa Que Ele Queria (The Last Thing He Wanted, 2020), estrelado por Anne Hathaway, enquanto no Now encontramos O Caminho de Volta (The Way Back, 2020), nova parceria com o diretor Gavin O’Connor (de O Contador, 2016).
Apesar de serem duas produções aparentemente bem cuidadas, soam mais como tortura do que como Cinema. A boa notícia é que são gratuitos – para quem já paga pelos serviços. O primeiro, dirigido por Dee Rees (do ótimo Mudbound, 2017), é baseado num livro da elogiada Joan Didion e traz a oscarizada Hathaway (de O Preço da Verdade, 2019) no papel principal. Tudo a favor, você pode pensar. O segundo, além de ter o diretor de Guerreiro (Warrior, 2011), conta com o roteirista Brad Ingelsby, do divertido Noite Sem Fim (Run All Night, 2015), escrevendo a respeito de redenção através do esporte. Bonitinhos, mas ordinários.
A Última Coisa Que Ele Queria nos apresenta a Elena McMahon, uma jornalista acostumada a cobrir conflitos bélicos que se revolta quando é designada para acompanhar uma eleição presidencial, a segunda de Reagan. Vendo aquilo como um castigo, ela joga tudo para cima e vai atrás do pai, que foi internado repentinamente num hospital. Não sabemos o que ele tem e não parece ser grave, mas é o suficiente para impedi-lo de seguir com seus negócios e a filha precisa entrar na jogada. A demente se joga de cabeça numa situação perigosa, criminosa, num país desconhecido e sem ter ideia de quem são os envolvidos.
Começa como um filme sobre jornalismo, a emoção de trazer a notícia ao público em casa, a revolta de ser penalizado por ir contra interesses econômicos dos poderosos. Aí, se torna um drama familiar, com uma filha num colégio interno e um pai ausente e doente. Para então se transformar num thriller de guerra no melhor estilo Graham Greene, ou ao menos pretender chegar perto disso. O mais triste é constatar a oportunidade perdida, já que o filme vira uma bagunça, atirando para todos os lados sem resolver nada do que se propõe. Bem longe do que escreveu Didion, que desenvolve seus temas com calma e consegue seguir um raciocínio mais lógico e compreensível.
O texto começa citando Ben Affleck, mas o ator tem pouco a fazer no filme. Com um papel pequeno para um rosto tão conhecido, sabemos que algo importante o espera, e logo vai chegar. E ficamos nessa expectativa até que, sem qualquer clímax, as coisas são apressadas e o filme acaba. E você se pergunta: o que um ator do calibre de Willem Dafoe (de O Farol, 2019) estava fazendo aqui? Affleck tinha pontos com a Netflix depois de Operação Fronteira (Triple Frontier, 2019), uma aventura interessante e bem amarrada. Com A Última Coisa Que Ele Queria, os rumos foram bem diferentes.
Em O Caminho de Volta, temos Affleck como protagonista. Ele é um sujeito quieto que trabalha na construção civil, toma uma cerveja com os amigos depois do expediente e à noite vai para casa dormir. Até aí, uma espécie de um Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1997), enquanto o personagem estava “disfarçado”. A diferença é que ele fica bêbado de cair todos os dias e há vários traumas para explicar isso. É nesse momento que abrimos o caderninho dos clichês e vamos marcando um a um. Se um clichê frequente em dramas ainda não se apresentou, é só aguardar e você não se arrependerá.
Affleck vive Jack, um ex-jogador de basquete que era a promessa da escola, tinha ofertas de faculdades e acabou ficando por lá, num emprego visto como meia boca. Num belo dia de sol, ele é chamado pelo padre responsável pela escola, com quem não tinha contato há anos, para assumir o time de basquete. O auxiliar, que está segurando as pontas desde a saída do técnico oficial, tem um problema familiar que o impede de assumir, apesar de estar sempre lá. E a fama de beberrão de Jack, que já chegou a outras escolas da região, não é um impedimento para ele possa liderar vários jovens talentosos.
Os acontecimentos de filmes de esportes vão se seguindo, com os meninos conseguindo resultados melhores até começarem a vencer. Teremos as revelações do passado, os desafios, os novos baques, a desilusão… E, por fim, a redenção. Tudo esquemático, conveniente, acontecendo apenas porque é o que consta no roteiro. Em várias entrevistas, Affleck ressaltou o tanto que foi prazeroso fazer o longa, exorcizando experiências pessoais. Talvez, o ator tenha flertado com o alcoolismo, indo até não sei que nível. O método de ir trocando as latinhas do congelador é bem acurado, algo próprio de alguém experiente. Bom saber que o filme, ao menos para alguma coisa, serviu.
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