por Arthur Abu
A Máfia dos Tigres (Tiger King, 2020) e Arremesso Final (The Last Dance, 2020) são produções originais Netflix lançadas nesse período de isolamento social já disponíveis no catálogo do serviço. Duas minisséries documentais, com altos índices de audiência, mas conteúdos muito distintos.
A Máfia dos Tigres
“Não é todo dia que um dono de zoológico é preso por encomendar um assassinato.” “Tem mais tigres presos nos EUA do que na natureza do mundo todo”. “Amantes de animais são loucos, totalmente loucos”. Assim anuncia o trailer de A Máfia dos Tigres, originalmente Tiger King: Murder, Mayhem and Madness.
A figura central é Joe Exotic, dono de zoológico, pseudo-cantor, apresentador de TV, entre outras coisas, que almeja se tornar uma celebridade a qualquer custo. Joe vive rodeado de animais selvagens, entre eles centenas de tigres. Existem ainda outros que compartilham desse estilo de vida exótico, como sua inimiga mortal, a ativista Carole Baskin, e o “guru” Doc Antle.
É de se imaginar que alguém que vive à margem da lei gostaria de manter pelo menos alguma discrição, mas as filmagens são tão extensas e, de situações às vezes tão ridículas, que é possível questionar a veracidade do que é retratado. O excesso de material e de depoimentos deixa a montagem um pouco confusa quanto à linha temporal e tenta induzir o espectador a certas insinuações. Vale dizer que vários dos protagonistas se sentiram enganados com o resultado final, assinado pelos diretores Eric Goode e Rebecca Chaiklin.
Quem se interessa por obras do gênero true crime, como Making a Murderer (2015), terá um prato cheio. Não faltam teorias e casos mal resolvidos, cultos com exploração sexual, tráfico de drogas e pessoas e acontecimentos bizarros.
É bem difícil sentir empatia pelos protagonistas humanos. O que prende é a curiosidade de saber até onde o circo vai. E vai longe. Mas, antes do fim, o espectador já está anestesiado e não se choca mais tão facilmente. A série perde o gás e o final é um pouco decepcionante, os animais acabam esquecidos no meio de tantas desavenças, tanto pelas personalidades excêntricas quanto pelo próprio espectador.
Arremesso Final
“Quem era Jimi Hendrix? Era o Michael Jordan da guitarra elétrica”. Uma fala que não dá para esquecer, de um filme do qual já nem me lembro mais. Como alguém que cresceu na década de 90, sei muito bem quem era Michael Jordan: assisti a Space Jam (1996) nos cinemas, tive um boné dos Chicago Bulls, nos treinos de educação física tentava ser o primeiro a falar “Eu sou Michael Jordan”.
Arremesso Final conta de forma bem detalhada o que aconteceu dentro e fora das quadras na era Michael Jordan, a era da supremacia dos Chicago Bulls no final do século XX. Temos depoimentos de vários ex-jogadores, jornalistas, donos de clubes, escritores, familiares e até do ex-presidente Barack Obama.
Assim como em A Máfia dos Tigres, o conteúdo é bem extenso e intimista. Mas é montado de uma maneira muito mais organizada: a narrativa vai e volta constantemente, tratando simultaneamente de acontecimentos em anos e às vezes décadas distintos, criando expectativa e tensão em cada época retratada.
Em Arremesso Final (ou A Última Dança, título original que se refere à temporada de 97-98), o time que já era cinco vezes campeão estava à beira de uma reformulação de elenco. Uma estratégia da diretoria e do gerente geral, Jerome Krauser, em uma época em que parecia inconcebível mexer em time que está ganhando. De uma maneira um pouco injusta, Krauser é retratado como o antagonista da história, pois até os adversários mais vorazes dos Bulls têm a chance de mostrar a sua versão, mas ele já era falecido antes da produção do documentário e fica sem seu direito de resposta, apesar de um ou outro sair em sua defesa.
Há um esforço para contar a história restante de outros membros do time, em especial Scottie Pippen, o polêmico Dennis Rodman e o técnico Phil Jackson. Mas os holofotes sempre acabam apontados para Jordan. Isso dá uma leve impressão de como se sentiam todos os jogadores da NBA da época: mesmo em seus melhores momentos, eles eram sempre coadjuvantes, dentro e fora das quadras.
Todos os 10 episódios já estão disponíveis na Netflix. Para grandes fãs de NBA e de Jordan, talvez seja uma boa experiência maratonar os episódios, um atrás do outro, e sentir uma fração da intensidade e pressão pela qual o astro vivia – e correr o risco de depois colocar o nome no filho de “Maicon Diordan”. Para os nem tão fãs, ainda sim é uma obra muito bem contada. O diretor Jason Hehir faz um belo tributo ao Chicago Bulls e ao maior astro da história da NBA.
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