Polanski reconta o caso Dreyfus

por Marcelo Seabra

Provas parcas e circunstanciais foram o suficiente para condenar um oficial francês ao exílio. Com o fim do julgamento, tudo volta ao normal e o sentimento de justiça feita deixa a sociedade feliz e satisfeita. E não se fala mais nisso. E se, de repente, outras evidências indicassem o contrário? Seria interessante reabrir um caso fechado com tamanho sucesso? Esse é o ponto de partida de O Oficial e o Espião (J’Accuse, 2019), premiado longa do diretor Roman Polanski.

Conhecido como “o caso Dreyfus”, o imbróglio francês já foi relatado em livros e filmes e ganha agora uma nova versão, extremamente bem produzida e atuada. Polanski repete a dobradinha com o escritor Robert Harris que funcionou muito bem em O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, 2010), com roteiro dos dois baseando-se num livro de Harris. Nos papéis principais, duas referências do país: Jean Dujardin (de O Lobo de Wall Street, 2013) e Louis Garrel (de Adoráveis Mulheres, 2019), ambos muito competentes.

Dujardin vive o Coronel Picquart, um sujeito comum que, apesar de estar na alta hierarquia do Exército, tem seus pecados. Ele mantém um romance duradouro com uma mulher casada (Emmanuelle Seigner, de Baseado em Fatos Reais, 2018) e também não vê judeus com bons olhos, preconceito frequente em seu meio. A diferença é que ele não se deixa levar apenas por seus valores, as provas fazem diferença. E Garrel, na pele de Alfred Dreyfus, faz um tipo irritante, nada simpático, o que certamente ajuda na forma como o veem. Não gostar de uma pessoa é o suficiente para condená-la?

Além dos nomes já citados, temos ainda Mathieu Amalric e Vincent Perez (ambos de No Portal da Eternidade, 2018) reforçando o elenco, além de uma ponta do próprio Polanski. A reconstituição de época, da urbana Paris à Ilha do Diabo, para onde mandavam os expatriados (inclusive o conhecido Papillon), é impecável, tudo pontuado pela elegante trilha de Alexandre Desplat (de Kursk, 2018). Os figurinos, cabelos e bigodes são bem realistas, e não faltam as celebridades da virada do século, como o escritor Émile Zola (André Marcon).

Polanski não só trabalha com vários colaboradores usuais, como a esposa, Seigner, mas também com uma trama que ele conhecia bem. Harris escreveu o livro por influência do diretor, que sempre foi fascinado pelo Caso Dreyfus. Apesar de toda a excelência que cerca a produção, Polanski ainda é um fugitivo, condenado por estupro, o que faz com que muitos se manifestem contra ele e seus trabalhos. Na premiação do César, no último janeiro, O Oficial e o Espião recebeu 12 indicações, o máximo possível, e levou três prêmios, entre eles o de Melhor Diretor. Poucas palmas foram ouvidas.

Dois vencedores do Oscar: Polanski dirige Dujardin

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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