por Marcelo Seabra
Duas séries lançadas recentemente representam o talento de uma família para a escrita. Stephen King, que dispensa apresentações, tem um livro adaptado pela HBO, enquanto o filho dele, Joe Hill, tem uma série em quadrinhos ganhando vida na Netflix. Com várias ressalvas, ambas têm seus méritos. Mas o resultado baseado na obra do pai é bem superior, reflexo de escolhas melhores dos envolvidos e de roteiros mais redondos.
Foram 12 anos, no mínimo, que Locke & Key levou para chegar à TV. A HQ escrita por Hill e desenhada por Gabriel Rodríguez passou por vários canais, com diversos atores entrando e saindo, até que se definisse pelo formato final. Até uma trilogia de filmes chegou-se a cogitar. No caso de The Outsider, a HBO comprou os direitos no mês seguinte ao lançamento do livro e a produção começou.
Locke & Key nos apresenta à família Locke, que tem o pai assassinado por um aluno. A mãe decide por se mudar da cidade grande para o interior, onde fica a histórica mansão da família do pai. Lá, eles podem recomeçar a vida ou, ao menos, deixar a casa em boas condições para ser vendida por um bom preço. Os três filhos precisam se adaptar às muitas novidades, sendo a maior delas a magia que reside com eles.
A Key House, casa que tem um nome próprio, tem também outros mistérios, manifestados na forma de chaves. Na língua inglesa, é tudo uma brincadeira semântica, com trancas (Locke), portas e chaves (Key). Cada chave tem uma habilidade, como levar o portador a qualquer lugar do mundo ou transformá-lo em fantasma, permitindo um voo pelo além. E, claro, há uma entidade maligna de olho nesse poder, com um plano escuso que custa a ser revelado. Temos aí uma luta entre o bem e o mal que parece ter começado na geração anterior.
Mais voltada a um público juvenil, Locke & Key divide seu foco entre a trama de suspense e magia e a de dramas adolescentes, às vezes dando algumas derrapadas. Fica difícil aceitar certas situações que parecem forçadas apenas para que o roteiro flua. Muitas críticas foram feitas à mudança de tom dos quadrinhos. Ainda temos cenas chocantes, como um garoto sendo jogado na linha do trem, mas de uma forma geral tudo é mais água com açúcar. A grande criatividade empregada na história é o que segura a atenção, com efeitos visuais razoáveis sustentando a proposta.
Bem mais sombria, The Outsider traz um mistério logo de cara: um dos caras mais legais de uma cidadezinha é acusado de sequestrar e matar uma criança. A polícia tem provas irrefutáveis, mas o sujeito tem um álibi forte. Esse é o ponto de partida da série, que traz Jason Bateman (de Ozark) como o técnico bonzinho e querido por todos e Ben Mendelsohn (de Capitã Marvel, 2019) na pele do policial que investiga a situação. É bem interessante ver os dois atores longe de suas zonas de conforto, já que Bateman costuma aparecer em comédias e Mendelsohn tem sido sempre um vilão.
Ao longo dos 10 episódios, vamos encontrando personagens interessantes e rostos conhecidos começam a aparecer. O principal é o de Cynthia Erivo, indicada esse ano ao Oscar como Melhor Atriz por Harriet (2019) e por Melhor Canção como compositora e intérprete do tema do longa. Ela se mostra uma ótima escolha para viver uma detetive aberta às possibilidades que fogem ao que estamos acostumados (leia-se: a realidade). Holly Gibney inclusive aparece também no livro (e na série) Mr. Mercedes, expediente usado frequentemente por King. Na TV, no entanto, não há qualquer ligação entre as obras.
O showrunner de The Outsider tem no currículo trabalhos de muita expressão, como as séries The Wire, The Night of e The Deuce, além de ter escrito filmes como A Cor do Dinheiro (The Color of Money, 1986) e Vítimas de Uma Paixão (Sea of Love, 1989). Richard Price trouxe, como colegas de roteiro, o escritor Dennis Lehane e o próprio Stephen King. Entre os diretores dos episódios, gente como Karyn Kusama (de O Convite, 2015) e Bateman. Nesses nomes certamente reside a razão do sucesso. Quem está por trás de Locke & Key é outro veterano, Carlton Cuse (de Lost e Bates Motel), mas ele acaba sendo o único nome grande no projeto.
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