Richard Jewell é mais um herói de Eastwood

por Marcelo Seabra

Não é de hoje que Clint Eastwood opta por filmar histórias reais, principalmente de personagens que ele considera heróis da pátria. Se forem injustiçados, então, é um prato cheio. Foi assim com Sully (2016), biografia do piloto que realizou um pouso milagroso para depois ser atacado de todos os lados. E é assim com O Caso Richard Jewell (Richard Jewell, 2019), sobre um outro episódio que ganhou as manchetes há alguns anos. É mais um sujeito cuja saga Eastwood se sentiu compelido a contar.

É importante deixar claro que Eastwood, apesar de muito experiente e de ter obras-primas em seu currículo, não é infalível. Com o Sniper Americano (American Sniper, 2014), o diretor entregou um trabalho tecnicamente impecável, mas altamente discutível ao colocar um psicopata como o modelo do soldado americano. E o mais recente 15h17: Trem Para Paris (15:17 to Paris, 2018) tem ainda mais problemas, a começar por ser chato e enrolar bastante para chegar ao ponto que interessa. A boa notícia é que Jewell não se aproxima desses exemplos negativos. A má é que o longa ainda está longe do brilhantismo de um Gran Torino (2008), ou Sobre Meninos e Lobos (2003), ou Os Imperdoáveis (1992), ou…

Quando o longa começa, conhecemos um sujeito que claramente tem um déficit intelectual. Richard (Paul Walter Hauser, de Infiltrado na Klan, 2017) é totalmente dependente da mãe (Kathy Bates, de Estrada Sem Lei, 2019), que o trata como uma criança, e ele tem uma ideia fixa de ser policial. Sua total falta de jogo de cintura faz com que siga regras ou ordens à risca, o que obviamente lhe trará muitos problemas. Pulando entre empregos, ele consegue uma vaga como um dos muitos seguranças nos Jogos Olímpicos de 1996.

Uma mochila deixada próxima da multidão chama a atenção de Richard, que logo mobiliza a todos para investigarem o objeto. Seu instinto se prova correto: era uma bomba. Após salvar dezenas de vidas, Richard vira celebridade e chama a atenção do FBI. Sem ninguém melhor para incriminar, os agentes passam a investigar o sujeito como se ele próprio houvesse colocado a bomba apenas para virar herói. Para jornalistas atrás de um furo, o personagem Richard Jewell é um prato cheio, e a mídia trata de expô-lo ao máximo.

Com essas duas críticas claras, às autoridades e à mídia, Eastwood constrói um bom filme, mas pesa a mão um tanto ao vilanizar os dois personagens criticados. Jon Hamm, o eterno Don Draper de Mad Men, tenta sair das armadilhas do roteiro, dando alguma simpatia a seu agente do FBI, mas o resultado se alterna entre burro e incompetente. E as coisas ficam ainda piores para a jornalista vivida por Olivia Wilde (da série Vinyl – acima), que representa a escória da profissão. Muitos podem argumentar que há uma forte dose de machismo na construção do roteirista Billy Ray (do mais recente Exterminador do Futuro).

No papel-título, a composição de Hauser é impecável e ele vai, pouco a pouco, gravando seu nome na cabeça do público. Bates como sempre é um espetáculo, merecidamente indicada a diversos prêmios. O vencedor do Oscar Sam Rockwell (por Três Anúncios para um Crime, 2017) tem sucesso ao mudar o tom de seu personagem, um advogado que aparece como um almofadinha e acaba se tornando alguém melhor. Aos mocinhos, cabe uma missão mais fácil, até mais agradável, que a Hamm e Wilde.

Com uma montagem ágil, O Caso Richard Jewell apresenta uma boa reconstituição dos fatos e consegue inserir doses de humor em um assunto pesado. Mesmo passando de duas horas de exibição, não fica cansativo, e demora pouco para começarmos a torcer por Jewell. Num primeiro momento um bobão, ele transparece uma pureza que faz com que o vejamos como a mãe o faz: como uma criança. E sentimos sua frustração e seu desespero em sua jornada para se provar inocente.

Estes são os personagens reais desse drama

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Por mais fã que eu seja do Eastwood, tenho ranço desse traço conservador (a construção machista da jornalista e os comentários sobre gay no filme) e deveras patriótico do Clint (a exaltação excessiva ao EUA nos gritos do público no show, e em elementos bem enquadrados dos símbolos nacionais). Mas achei curioso como ele coloca em dúvida - na verdade, como o vilão do filme - o próprio sistema do país, bem personificado na figura do agente da FBI. Seria uma "autocrítica" desse senhor MARAVILHOSO chamado Clint Eastwood.

    • Afinal, Kael, temos nossas críticas, mas os elogios são muitos!

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