por Marcelo Seabra
A final da Copa do Mundo de futebol de 2014, no Brasil, ficou com um duelo entre Alemanha e Argentina. Anos antes, os dois países já haviam protagonizado outro embate: eram deles dois dos principais candidatos a Papa. Começando desse ponto, em 2005, Dois Papas (The Two Popes, 2019) nos leva a conhecer Joseph Ratzinger e Jorge Bergoglio, figuras proeminentes na Igreja Católica que passam a ser candidatos ao cargo deixado pelo falecido Papa João Paulo II.
Como a história é amplamente conhecida, não importa tanto como acabará. O mais interessante é acompanhar os diálogos afiados entre os dois, pessoas inteligentes e razoáveis que buscam, dentro de suas convicções, o que é melhor para a Igreja. O roteirista, Anthony McCarten, tem experiência com histórias reais: são dele os roteiros de A Teoria de Tudo (2014), O Destino de Uma Nação (2017) e Bohemian Rhapsody (2018). Detalhe: todos os três foram vencedores de diversos prêmios para o ator principal, entre eles o Oscar.
Se as conversas são a parte mais saborosa do projeto, precisaríamos de dois grandes intérpretes para dar vida a elas. E é exatamente o que o diretor Fernando Meirelles (de 360, 2011) garante. Com uma semelhança física impressionante, Jonathan Pryce (de A Esposa, 2017) vive Bergoglio, o futuro Papa Francisco. As piadas e memes relacionando os dois apareceram desde o início do pontificado de Francisco, ainda mais com Pryce fazendo um líder religioso em Game of Thrones. E coube a Anthony Hopkins (de Westworld) interpretar Ratzinger, que logo se torna Bento XVI e enfrenta graves crises na instituição.
Sem entrar tanto nos escândalos de pedofilia envolvendo padres, o filme foca nas diferenças entre as duas referências. Enquanto o alemão é conservador e sofisticado em seus hábitos, o argentino é progressista e humilde, fazendo questão de dispensar os luxos dedicados a ele. Nada do que vemos difere muito do que era divulgado sobre ambos, apenas confirmando impressões. Mas Pryce e principalmente Hopkins conseguem humanizar seus retratados. Se Francisco era visto por todos com simpatia desde o início, o mesmo não pode ser dito de Bento, que exibia frequentemente uma expressão de gênio do mal. Hopkins é muito bem-sucedido ao buscar a humanidade do personagem.
Outro mérito do roteiro de McCarten é trazer luz para a vida de Bergoglio antes de se tornar um cardeal. Na pele do ótimo argentino Juan Minujín (de Golpe Duplo, 2015), o padre faz algumas escolhas questionáveis e vemos as consequências. Enquanto o passado de Ratzinger fica para escanteio, com apenas algumas menções a possíveis ligações nazistas, Bergoglio fica bem em evidência durante a sangrenta ditadura na Argentina. Além da dificuldade de lidar com um texto profundo e ágil, os atores ainda precisaram se alternar entre línguas. Italiano, inglês e latim era comum aos dois, com Pryce falando também em espanhol com sotaque argentino. O alemão de Hopkins ficou bem superficial, o que deve ter sido um alívio para ele.
Ainda muito lembrado pela obra-prima Cidade de Deus (2002), Meirelles mostra mais uma vez ter o domínio do trabalho. Uma trilha discreta, uma fotografia que explora bem o Vaticano e os demais cenários utilizados, tanto campos abertos quanto quartos e salas, uma montagem objetiva e figurinos bonitos e funcionais são qualidades de Dois Papas. E o longa traz luz sobre a transição entre os Papas, ponto que pode não ter ficado claro para muitos na época. Mais um ponto para a Netflix, que bancou a produção e já a disponibilizou aos assinantes.
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Filme muito bacana, que vc assiste sem pressa e nem vê o tempo passar. Hopinks e Pryce mais que excelentes, como não poderia deixar de ser.
Boa crítica, Marcelo!
Valeu, Kael!