por Marcelo Seabra
Um detetive durão, de coração mole, investiga uma trama que envolve gente poderosa e encontra pela frente uma bela mulher de intenções dúbias. Essa é a sinopse básica das principais histórias clássicas da era de ouro da literatura policial. Autores renomados, como Chandler e Hammet, andaram por esse caminho, e Jonathan Lethem aprendeu bem sua lição. Seu livro Motherless Brooklyn, lançado em 1999, finalmente chega aos cinemas pelas mãos de Edward Norton, que acumula direção, roteiro e produção, além de atuar.
Dez anos depois de adquirir os direitos de adaptação do livro, Norton consegue lançar o filme, chamado no Brasil de Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe, e a insistência valeu a pena. Ele criou uma obra com clima noir, com todos os elementos que o gênero pede: uma mulher misteriosa, um clube de jazz, um político sombrio, capangas bons de briga. No entanto, ele adicionou pontos interessantes que fizeram o resultado se destacar. A política é forte na história, assim como temas como racismo e gentrificação, algo raro de se ver na ficção.
De cara, entendemos que há quatro ajudantes trabalhando no escritório de um detetive, Frank Minna (Bruce Willis, de Vidro, 2019). Dois saem em uma missão que acaba com Minna baleado. Um deles, Lionel (Norton, de Beleza Oculta, 2016), não vai deixar barato e começa a investigar por conta própria o que teria levado o chefe à morte. Os personagens que cruzam seu caminho são bem desenvolvidos, com seus dramas sendo revelados aos poucos. O próprio Lionel é bem curioso: ele tem um problema que o faz ter espasmos, tiques e até a falar coisas impróprias. Hoje, sabemos se tratar da Síndrome de Tourette, mas ele nunca soube.
Outra variação desta para outras histórias mais famosas de detetive é o fato de o chefe ser Minna, e não Lionel. Isso torna Brooklyn praticamente um filme de origem, com o protagonista aprendendo suas lições enquanto apanha da vida (literalmente, inclusive). Norton, sempre um ator de muitas qualidades, não está menos do que ótimo, e traz veracidade a uma doença que não é muito retratada nas telas. Gugu Mbatha-Raw (de Um Homem Entre Gigantes, 2015) também está muito bem, fugindo do estereótipo da dama em perigo. Ela é uma mulher forte que se impõe num mundo machista e racista.
O elenco, que inclui nomes como Alec Baldwin, Willem Dafoe, Bobby Cannavale, Michael Kenneth Williams, Cherry Jones e Leslie Mann, é bem competente. A estilosa fotografia do veterano Dick Pope (de O Ilusionista, 2006, também estrelado por Norton) cria uma ambientação que ajuda a carregar no suspense, além de transformar a cidade de Nova York em um personagem. E isso tudo é perpassado por uma trilha deliciosa composta por Daniel Pemberton (de Yesterday, 2019). A faixa principal foi composta pelo líder do Radiohead, Thom Yorke, e aparece na versão dele e em uma outra, inspirada pelo mestre Miles Davis, com Wynton Marsalis à frente de um grupo brilhante.
A história do livro é contemporânea ao lançamento, mas o roteirista espertamente a transportou para o final da década de 50. Não há problema em fazer uma história de detetives nos dias de hoje, como escritores como Michael Connelly e Lawrence Block provam. Só que a combinação anos 50, jazz e policial noir tem um apelo imbatível. Norton, que dirigiu um longa pela primeira e única vez em 2000 (a comédia Tenha Fé), mostra que domina bem a função. Nada melhor para ele, conhecido pelo gênio difícil, que cuidar de todas as etapas da produção.
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