Ford desafia Ferrari no mundo das corridas

por Marcelo Seabra

Homens brancos, ricos e orgulhosos disputando quem tem o melhor desempenho. Em poucas palavras, essa é a descrição de Ford vs Ferrari (2019), longa que traz um tour de force entre duas montadoras de carros. Por sorte, o filme vai bem mais longe, respeitando seus personagens e nos permitindo conhecê-los um mínimo para que nos importemos com eles. Apesar de se tratar de dois grupos poderosos, não deixa de ser uma batalha entre Davi e Golias, tema recorrente no Cinema.

No início da década de 60, numa tentativa de alavancar a venda de carros, a Ford Motors decidiu partir para as corridas. Para isso, precisaria derrotar o grande campeão, a Ferrari. Quando viu que não conseguiria resolver a questão apenas com dinheiro, Henry Ford II (Tracy Letts, de The Post, 2017) decidiu contratar um projetista e começar do zero. É aí que entra o ex-campeão Carroll Shelby (Matt Damon, de Suburbicon, 2017), que se une ao piloto e mecânico Ken Miles (Christian Bale, de Vice, 2018) para tentarem construir um carro que vencesse as 24 Horas de Le Mans.

James Mangold é um diretor que parece ter a necessidade de identificar vilões quadrinescos mesmo em dramas reais. Foi assim com o pai de Johnny Cash em Johnny e June (Walk the Line, 2005), é assim com o executivo Leo Beebe (Josh Lucas, de Mark Felt, 2017) nesse filme. Uns closes na cara de mau de um piloto italiano praticamente produzem outro vilão. Mas, ao mesmo tempo, temos Lee Iacocca (Jon Bernthal, o Justiceiro) incentivando a dupla, servindo como contrapeso.

Beebe, além de fazer caras e bocas e participar de algumas cenas revoltantes, é a representação do que acontece quando homens de terno se misturam a algo que deveria ser puro, como o esporte. É sabido por todos que há grande interferência do marketing, ou do chamado mercado, sobre os resultados de campeonatos, desde a escolha de quem disputa. Mas, mesmo esperado, não deixa de causar asco. Ford vs Ferrari vai mais fundo nessa questão, o que o torna mais abrangente que outros do gênero, como Rush (2013).

O básico, que esperamos num filme desse tipo, também está lá: a emoção das corridas. Mesmo para leigos, para quem conhece apenas vagamente o nome Ayrton Senna (que nem é da categoria tratada aqui) ou para quem não sabe nada de corridas (acima, os carros reais), o longa diverte e entretém. Shelby e Miles devem ser conhecidos entre os aficionados, o serve como atrativo extra. Mas os leigos vão apreciar tanto quanto, ainda mais tratando-se de duas ótimas atuações. Damon e Bale (que lembra seu papel em O Vencedor, 2010) têm uma boa química, e o elenco é completado por Caitriona Balfe (de Jogo do Poder, 2016) e Noah Jupe (filho de Damon em Suburbicon), que vivem a família de Miles.

O roteiro, escrito por Jason Keller (de Rota de Fuga, 2013) e reescrito por Jez e John-Henry Butterworth (dupla de No Limite do Amanhã, 2014), consegue evitar certas armadilhas e até surpreende. A fotografia é interessante e funcional, já que consegue nos situar nos lugares por onde a trama passa. E a belíssima trilha sonora, que vai de rocks sessentistas a um jazz estilo Dave Brubeck assinado por Marco Beltrami (de Logan, 2017), completa o quadro. Ford vs Ferrari faz rir e chorar enquanto nos leva por curvas perigosas e retas que pedem uma acelerada.

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Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Olá, que interessante seus comentários, gostei! Me deu vontade de assistir o filme para comparar e entender sua visão.
    Das permissões em conhecer os personagens para que nos importemos e passando pelas necessidade de identificação dos vilões até interferências do marketing.
    Estou aprendendo, um dia chego lá.
    Um grande abraço

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