por Marcelo Seabra
Duas produções recentemente divulgadas na Netflix contam histórias reais. Mas esses são os únicos pontos em comum entre A Lavanderia (The Laundromat, 2019) e Meu Nome É Dolemite (Dolemite Is My Name, 2019). Ah, são duas comédias, claro! Mas seguem por caminhos bem diferentes. E o mesmo acontece com os resultados: enquanto um é muito satisfatório, o outro deixa a desejar.
Seguindo a linha dos filmes do diretor Adam McKay (como A Grande Aposta e Vice), Steven Soderbergh e o roteirista Scott Z. Burns tentam contar uma história pesada de forma leve. É a quarta colaboração entre eles, seguindo O Desinformante! (2009), Contágio (2011) e Terapia de Risco (2013). Além de contar com um elenco dos sonhos, eles inserem bom humor e frequentemente quebram a quarta parede para nos oferecerem explicações. Situar o espectador é necessário, ainda mais se tratando de um caso complexo como o dos Panama Papers.
Em 2015, uma fonte anônima vazou 11,5 milhões de documentos de uma firma sediada no Panamá, a Mossack Fonseca. Detalhado no livro Secrecy World, do premiado jornalista Jake Bernstein, o escândalo revelou que os sócios Jürgen Mossack e Ramón Fonseca ajudaram, por décadas, diversos criminosos a lavarem dinheiro de tudo quanto é negócio escuso, de tráfico de drogas a sequestros, passando por propinas, o que envolveu nossa conhecida Odebrecht.
O roteiro de Burns usa a história de um acidente de barco para tornar claros os macetes usados na hora de registrar empresas. Uma é dona da outra, que tem uma subsidiária e faz parte de um conglomerado e assim por diante, o que torna impossível chegar em um responsável. Através da viúva vivida por Meryl Streep (de The Post, 2017), acabamos chegando em Mossack (Gary Oldman, de O Destino de Uma Nação, 2017) e Fonseca (Antonio Banderas, de Dor e Glória, 2019).
Até uma certa parte, as coisas caminham bem, e ainda temos um desfile de rostos conhecidos, como Jeffrey Wright, Sharon Stone, James Cromwell, David Schwimmer, Matthias Schoenaerts e Robert Patrick. Mas a necessidade de ser engraçadinho trai o roteiro e passa a sensação de que os realizadores não queriam de fato criminalizar Mossack e Fonseca. Eles ficam parecendo dois advogados injustiçados, incriminados por seus clientes maldosos. Os ótimos Oldman e Banderas compõem figuras carismáticas, sedutoras, enquanto Streep faz a vítima incansável, que acaba sendo a chata na luta por seus direitos. Esse quadro nos leva a um final desnecessariamente espertinho, em tom de manifesto.
A outra comédia da Netflix, bem menos ambiciosa e muito mais bem-sucedida, é Meu Nome é Dolemite. O papel caiu como uma luva para Eddie Murphy, que estava há três anos longe do Cinema (Mr. Church é de 2016). Ele aprecia esperar por um papel adequado e o achou: o de Rudy Ray Moore, um sujeito comum que sonhava em ser artista. Tentando a vida como comediante, ele não passa de apresentador da banda do amigo Ben (Craig Robinson, de American Dad!).
As coisas mudam quando, numa jogada bem discutível, ele paga umas biritas para um mendigo da região e anota todas as piadas que ouve. Dando uma apimentada no material, ele cria um personagem, Dolemite, e passa a fazer rimas cômicas. Dolemite se veste como um cafetão, com direito a bengala, e viaja por vários clubes dos Estados Unidos com seu show para maiores. Logo, a atenção de pequenos grupos já não é mais suficiente, Rudy quer virar um astro do Cinema.
Apesar de inexperiente, Moore não é bobo. Ele se cerca de quem tem uma mínima ideia do que faz, como o professor e roteirista Jerry Jones (Keegan-Michael Key, de O Rei Leão, 2019) e o ator D’Urville Martin (Wesley Snipes, de Os Mercenários 3, 2014), além de alguns universitários que ajudam na parte técnica. É interessante descobrir que tudo isso realmente aconteceu e o filme Dolemite (1975) é tão tosco quanto podemos supor. Batalhador, Moore corre atrás e contorna todos os obstáculos, sempre tentando manter o bom humor.
Enquanto Meu Nome É Dolemite parte dos excluídos que buscam ascensão, A Lavanderia faz o caminho inverso: mostra a derrocada dos poderosos advogados. Não deixa de ser interessante conhecer as duas histórias, ambas muito ricas. Mas Dolemite engaja seu público bem mais. O diretor Craig Brewer tem experiência com dramas de personagens fortes, e normalmente traz questões raciais à discussão, como no ótimo Ritmo de Um Sonho (Hustle and Flow, 2005) e na série Empire. A parceria com Murphy deu tão certo que ele já comanda a sequência do quase clássico Um Príncipe em Nova York.
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