Luta de Hebe pela democracia chega ao Cinema

por Marcelo Seabra

O Brasil passa por uma grande recessão. A instabilidade política é enorme. Fala-se em democracia, mas a censura impera. E a classe política faz pouco ou nada para resolver a equação. Podia estar falando de hoje, mas o período em questão é 1985, época em que Hebe Camargo comandava um programa de auditório e era uma das mais populares comunicadoras do país. Esse é o ponto de partida de Hebe – A Estrela do Brasil (2019), longa que acertadamente se propõe a acompanhar um período curto ao invés de tentar abraçar toda uma vida.

Muito lembrada por 2 Filhos de Francisco (2005), a roteirista Carolina Kotscho parte para uma abordagem mais próxima de outro trabalho seu, Não Pare na Pista (2014). Focada em um recorte temporal relativamente pequeno, ela consegue desenvolver melhor seus personagens e os temas tratados. E é uma surpresa feliz constatar que a obra tem como principal alvo a defesa da democracia, algo extremamente atual. Da forma como tudo é mostrado, o título deveria ser Hebe – A Campeã da Democracia.

Politicamente confusa, ou no mínimo ingênua, Hebe dizia que não era de direita ou de esquerda. Sabemos que, em 100% desses casos, a pessoa se posiciona à direita. Um grande amigo da apresentadora, por exemplo, era Paulo Maluf, O Dr. Paulo, e a esposa. Mesmo assim, com essa miopia ideológica, Hebe sabia reconhecer uma injustiça quando a via. Ela se colocava a favor dos excluídos, como gays, aidéticos e transsexuais. Juntando isso aos convidados polêmicos que ela trazia ao seu sofá, mais o palavreado bem à vontade, o resultado não podia ser outro: fazer raiva nos censores.

Quando encontramos a personagem, ela fazia seu programa ao vivo na Rede Bandeirantes. Profundamente incomodado com o teor da atração, um censor (curiosamente parecido com um político da extrema direita) entra em embate com o produtor Walter Clark. A partir daí, a ação se desenrola e temos uma homenagem a Hebe e a sua luta pelas minorias. Apesar da pouca semelhança física, os atores fazem um ótimo trabalho. Andréa Beltrão usa os trejeitos de Hebe para de fato construir uma figura tridimensional, e não se restringe a fazer uma cópia pálida.

Vários membros do elenco estão acostumados a trabalhar juntos e o mesmo acontece com o diretor, Maurício Farias. São muitas as obras em que ele trabalhou com a esposa, Beltrão, e isso deve proporcionar uma confiança grande entre a equipe. Tudo parece funcionar bem, da recriação da época ao retrato daquelas pessoas que, até pouco tempo atrás, estavam na mídia – algumas ainda estão. Figuras famosas, como Roberto Carlos, Silvio Santos, Dercy Gonçalves, Roberta Close e as amigas Nair Bello e Lolita Rodrigues, aparecem na tela, ajudando a contextualizar os fatos.

É interessante perceber que Hebe tinha grande resistência a trabalhar na Rede Globo, e de fato nunca passou por lá. Ela temia ser tolhida e enquadrada no padrão da casa. E a gigante Globo Filmes é uma das empresas por trás de Hebe – A Estrela do Brasil. E a atração ainda será lançada como série em janeiro de 2020, com várias cenas a mais, como tem sido costume o canal fazer. Veremos se o resultado será tão satisfatório quanto o do filme.

A apresentadora e a atriz: uma bela homenagem

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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