por Marcelo Seabra
“Ninguém sabe o duro que dei”, dizia Wilson Simonal quando apontavam o sucesso que ele atingiu. A frase era tão usada que aparecia em uma das músicas dele e deu título a um documentário (2009) sobre a vida do cantor. Uma história tão extraordinária estava demorando a ganhar as telas. Em meio a diversas cinebiografias de celebridades da música, tanto internacionais (sobre Elton John, Freddie Mercury ou Motley Crüe) quanto nacionais (sobre Paulo Coelho, Erasmo Carlos, Tim Maia e Elis), chega a estreia de Simonal (2019), longa que acompanha a ascensão e queda do astro.
Aproveitando o casal que já havia funcionado em Faroeste Caboclo (2013), Fabrício Boliveira e Isis Valverde, Simonal tem em seu elenco sua maior força. Boliveira chega perto de reproduzir o carisma de seu personagem, que se dizia o símbolo da pilantragem. Mesmo que os dois não fossem muito parecidos, o ator funciona muito bem no papel, atuando, dançando e dublando com naturalidade. Temos uma amostra do tamanho que Simonal chegou a ter, não só um ótimo intérprete, que parecia roubar para si tudo o que cantava, mas um showman completo, que sabia conduzir o público como poucos.
Valverde entra em cena com destaque, mas perde força à medida e que se torna a esposa padrão, aquela deixada de lado que acaba se tornando deprimida e dependente química. Um problema comum a obras desse tipo é mostrar o artista isolado, como se não houvesse mais ninguém relevante naquele momento, e isso não é observado aqui. Vemos figuras como Carlos Imperial, Miéle, Bôscoli, Elis, Erasmo e Jorge Ben interagindo com Simonal. Mas é só ele que importa, com os demais apenas fazendo pontas, como se os nomes tivessem que ser cortados em uma lista. O dueto com Sarah Vaughan, por exemplo, só serve como pano de fundo.
Os áudios originais de Simonal são usados em diversas cenas, o que nos dá uma dimensão de seu talento vocal. Imagens reais (abaixo) também aparecem, o que causa estranhamento, já que fica muito claro tratar-se de outra pessoa que não Boliveira. De uma forma geral, a montagem é ágil e não deixa buracos cronológicos, ou nada que faça falta. Reflexo da parceria do experiente montador Leonardo Domingues, que faz sua estreia como diretor de um longa, e do igualmente competente Vicente Kubrusly (de À Beira do Caminho, 2012). Tecnicamente, quase tudo se encaixa, como uma ótima reconstituição de época. E a participação de Leandro Hassum (de Chorar de Rir, 2019) como Imperial merece ser ressaltada, ele realmente chama a atenção.
Em certas passagens, parece que o roteiro de Victor Atherino (também de Faroeste) não vai se furtar a cobrir os pecados de seu biografado, arrogante e explosivo. O fato de ele ser mulherengo aparece bem. O problema maior chega mais adiante, num episódio amplamente conhecido e pouco esclarecido: a acusação de ser dedo duro. Simonal se meteu em uma grande enrascada ao afirmar que seu contador estaria roubando-o. O sujeito, pouco tempo depois, foi sequestrado em sua casa por policiais e torturado nas dependências do DOPS. Para tentar se explicar, Simonal dá a entender que seria informante do regime militar. Nunca se soube de ninguém que tivesse sido prejudicado por uma suposta delação dele, mas a má fama pegou e o acompanhou até o fim da vida.
Todo o problema enfrentado poderia ser uma farsa orquestrada por racistas que não suportaram ver um negro, favelado, esfregando na cara da sociedade o enorme sucesso que atingiu? Claro, poderia. Mas bem que tudo poderia ter acontecido devido à estupidez do cantor, que não teria medido as consequências de seus atos. O roteiro faz claramente uma escolha: é melhor mostrar Simonal como ingênuo, até burro, que como mau caráter.
Desde o lançamento do documentário de 2009, observa-se uma espécie de campanha para reabilitar Simonal. Depois do escândalo da relação com a ditadura, ele viu seus shows serem cancelados e outros artistas negarem colaborações. Morreu em 2000, em decorrência do alcoolismo. Ia às apresentações dos filhos, Max de Castro e Simoninha, incógnito, com medo de atrapalhar. Os dois são responsáveis pela direção musical do filme, o que pode ter influenciado no tom brando, neutro da produção. Afinal, a ideia era limpar a barra de Simonal. Só não sabemos se isso é fazer justiça ou criar uma mentira.
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