Novo Cemitério Maldito segue outros caminhos

por Marcelo Seabra

Um livro lançado em 1983. Uma adaptação para o Cinema em 1989. Era necessário realizar outra versão? Não. Havia outras obras do autor para adaptar? Sim. O filme de 89 é bom? Sim! E é fiel à fonte? Sim. Mesmo com essas respostas, foram adiante e já é possível conferir na telona o novo Cemitério Maldito (Pet Sematary, 2019), releitura do clássico de Stephen King que busca desesperadamente se afastar da primeira versão. O resultado é uma mistura paradoxal e fraca de uma lenta construção de clima, abandonado sem aviso prévio, com uma dependência de sustos fáceis.

Um problema que costuma acometer reboots de super-heróis é a necessidade que os realizadores sentem de fazer tudo diferente. Caso contrário, não se justificaria uma nova produção. O Homem-Aranha, por exemplo, teve a trilogia de Sam Raimi e, num intervalo curto, apareceu em uma nova aventura que mais uma vez trouxe a origem dele. Com essas liberdades, cada vez mais se afastam da fonte. Uma adaptação entre mídias diferentes não precisa e nem deve ser literal, ajustes são bem-vindos. Mas devem funcionar a favor da obra, e não acabar com o sentido por trás dela.

É comum ver na internet gente desmerecendo o Cemitério Maldito de 89, que de fato tinha um orçamento baixo. Mas o longa de Mary Lambert está longe de ser ruim. Além de boas atuações, em especial do saudoso Fred Gwynne, tem um roteiro bem amarrado que traduz maravilhosamente as ideias presentes no livro. Ah, importante mencionar que o próprio Stephen King fez a adaptação. E, com os Ramones na trilha, não tem como errar. Eles inclusive compuseram o fantástico tema homônimo, que imediatamente ganhou vida independente do filme.

Com US$21 milhões para usar no remake, a dupla Kevin Kölsch e Dennis Widmyer poderia ir bem mais longe. Os diretores têm experiência no gênero, com vários curtas e um longa de estreia, e o responsável por reescrever a história, Matt Greenberg, foi o roteirista de 1408 (2007), também derivado de King. A versão final do roteiro é assinada por Jeff Buhler – que este ano trabalhou em outra refilmagem, a de Alucinações do Passado (1990). Os temas abordados por King, como a morte e a culpa, ainda estão lá, mas de maneira muito superficial e forçada.

Se no elenco não tem gente tão famosa, talento não falta. Jason Clarke já mostrou seu valor, como em Mudbound (2017), e Amy Seimetz (de Alien: Covenant, 2017) cumpre sua obrigação a contento. Com os dois, o casal de protagonistas está bem defendido. John Lithgow faz qualquer coisa com excelência: do drama (como em O Amor É Estranho, 2014) ao suspense (o Trinity de Dexter), passando pela comédia (How I Met Your Mother), para ficar em exemplos mais recentes. E a menina Jeté Laurence (de Boneco de Neve, 2017) consegue ir aos extremos que seu papel exige, completando o núcleo principal.

Para quem não conhece, o livro (O Cemitério, no Brasil) nos apresenta aos Creeds no momento em que eles decidem deixar a correria da cidade grande e se mudam para a pequena Ludlow (próxima de Derry, de It, 2017). O Dr. Louis (Clarke) assume a enfermaria da faculdade local, o que lhe permite mais tempo com a esposa, Rachel, e os filhos, Ellie (Laurence) e Gage. Ele logo faz amizade com o vizinho, Jud (Lithgow), que o apresenta a um antigo cemitério indígena capaz de trazer os mortos de volta.

Ao contrário do longa de 89, que fez alterações pontuais no andamento da história, o de 2019 parte dessa premissa para desenvolver algo diferente. Há uma grande simplificação, excluindo personagens e situações, e os chamados jump scares (sustos gratuitos, que dependem de uma montagem rápida) se proliferam. A trilha, discreta no início, vai se tornando cada vez mais invasiva e incômoda, exatamente o contrário do que deveria fazer.

Algo que chama a atenção positivamente é a fotografia de Laurie Rose (de Operação Overlord, 2018). Ela parte de tomadas gerais, apresentando bem o ambiente, para closes que parecem querer demonstrar o estado de espírito dos personagens. Mas o roteiro desequilibrado não permite que eles se desenvolvam decentemente, e o que é pior: ele cria regras, as apresenta e não se importa em descartá-las na primeira oportunidade. Quem conhece o livro nota uma pressa enorme, é como se o roteirista tivesse listado momentos a apresentar e fosse riscando-os, numa urgência de cumprir a lista.

Como o meio desse Cemitério Maldito vai rapidamente mostrando suas diferenças para com o livro, como o trailer irresponsavelmente adianta, podemos pressupor que o final será ainda mais distante. E a sensação que ele deixa, de tão absurdo e vazio, é de que os diretores queriam chocar a qualquer custo, mesmo que isso custasse qualquer lógica desenvolvida até então. A música-tema dos Ramones, regravada de forma genérica, reflete a falta de propósito do filme. Com tanto livro de King ainda “virgem”, não dá para entender a ânsia de sempre se voltar nos mesmos. E, com a bilheteria que tem sido alcançada, uma sequência vem aí.

“Louis, às vezes o original é melhor!”

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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