por Marcelo Seabra
Quem acha que o “clube dos 27” era composto apenas por Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix não sabe da missa a metade. O primeiro músico famoso a morrer aos 27 foi Robert Johnson, e a sua morte é só um dos muitos mistérios que o envolvem. O novo episódio da série de documentários ReMastered traz exatamente essa personalidade: Devil at the Crossroads – A Robert Johnson Story (2019) costura o que se sabe desse cantor, violonista e compositor que influenciou todo nome minimamente famoso do mundo do blues, rock e adjacências.
A série ReMastered, criada por Jeff e Michael Zimbalist, busca trazer luz sobre fatos desconhecidos ligados a músicos, geralmente relacionados a mortes ou atentados. Até então, entre várias produções bacanas, a mais interessante era As Duas Mortes de Sam Cooke, sobre o cenário claramente armado que tirou desse mundo um grande cantor, que ainda por cima tinha uma ótima visão de como ajudaria outros negros, como ele, a se realizarem artística e profissionalmente. Outras envolvem nomes igualmente famosos, como Johnny Cash e Bob Marley, e há um outro bem menos conhecido, mas tão marcante quanto: a Miami Showband, banda irlandesa atacada com uma bomba em sua van.
A bola da vez é Robert Johnson. Ele era descrito como um músico jovem, inexperiente e ruim de serviço. Sua música espantava o público e colegas veteranos faziam pouco dele. Depois de um sumiço de mais de um ano, ele reaparece e deixa todos de boca aberta, tamanha é a sua competência. Elementos como esse alimentaram a história de que ele teria ido a uma encruzilhada na área rural do Mississippi fazer um pacto com o diabo. E ele, que não era bobo, punha lenha nessa fogueira, dando corda a essa fama.
É importante ressaltar outro fato que alguns depoimentos levantam: a rixa que existia entre os bares, que atraiam os maridos, e as igrejas, que levavam as esposas. Por estarem perdendo seu público, os pastores diziam que a música tocada nesses “antros” era do capeta, e as esposas passaram a criticar os maridos por isso. Esse talvez seja o maior mérito da série ReMastered: dar um panorama da época, falar de costumes, situando o público. Esse era o mundo em que Johnson estava inserido. O sul racista dos Estados Unidos, onde um negro era enforcado apenas por capricho de outros cidadãos de bem.
O biografado teve sua vida marcada por fatos importantes, tragédias, inclusive, que podem tê-lo tornado mais amargo e, finalmente, arrogante, como é descrito. Não há filmagens de Johnson e vemos apenas duas fotos. Sua personalidade é formada pelas falas dos convidados, e os que o conheceram trazem histórias interessantes. Sua influência fica muito marcada nas falas de gente como Keith Richards e Eric Clapton, e sua importância para a música é clara. Seu jeito de tocar o violão fazia parecer que eram dois instrumentos, com uma riqueza de sons. Até hoje, ele é fonte de inspiração.
Disponível na Netflix, o episódio é curto, com apenas 48 minutos. Mas o interesse que desperta é inversamente proporcional. Mesmo trazendo tudo o que se sabe sobre Johnson, inclusive com participações de historiadores e especialistas, Devil at the Crossroads só consegue atiçar ainda mais o mito. A metáfora da encruzilhada é óbvia: todos chegamos em um ponto da vida em que devemos tomar uma decisão. Robert decidiu se dedicar à música e virou uma lenda. Ou teria de fato feito um pacto com o tinhoso, tomando o caminho mais fácil? Nunca saberemos. Mas as questões que o documentário levanta são muito ricas.
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