por Marcelo Seabra
Deixado em segundo plano devido às parcas indicações na temporada de premiações, Duas Rainhas (Mary Queen of Scots, 2018) acabou demorando a chegar ao Brasil. Com dois importantes papéis femininos, o longa dá espaço para duas atrizes brilharem: Saoirse Ronan e Margot Robbie, que vivem respectivamente as rainhas da Escócia e da Inglaterra. Entre acertos e tropeços, o resultado acaba ficando no meio do caminho, sem empolgar ninguém.
Um problema que costuma acometer produções de época inspiradas em fatos amplamente divulgados é a falta de veracidade. Filmes não são cunhados para serem aulas de História e os realizadores acabam tomando decisões visando atingir maior dramaticidade. Mas daí a mudar o que aconteceu deliberadamente e não tirar disso uma obra grandiosa não se justifica. O roteiro de Beau Willimon (de Tudo Pelo Poder, 2011) toma certas liberdades em relação ao livro em que se baseia, de John Guy, fugindo dos fatos, e acaba abraçando o mundo, o que seria melhor desenvolvido numa série (como House of Cards, também escrita por Willimon).
O título nacional também não ajuda. O filme enfoca especificamente Mary (Ronan, de Ladybird, 2017), que volta da França ao ficar viúva para assumir o trono da Escócia que é seu por direito. Ao ser coroada, Mary dispara os alarmes na Inglaterra, onde sua prima Elizabeth (Robbie, de Eu, Tonya, 2017) governa com mão de ferro e uma pequena dose de paranóia, já que todos poderiam estar conspirando contra ela. Nasce entre as duas um misto de admiração, carinho e rivalidade, e a única base histórica para o livro e o roteiro são as cartas trocadas entre elas.
O próprio filme acaba se perdendo de seu propósito inicial, tirando o foco de Mary e correndo para Elizabeth, tendo dificuldade para se alternar entre as duas. A causa principal defendida acaba sendo o feminismo, já que a culpa dos conflitos e das inimizades é dos homens que cercavam as rainhas e as aconselhavam – um dos principais é interpretado por um diabólico Guy Pearce (de The Rover, 2014). Um diálogo, inclusive, deixa esse machismo vigente bem claro, quando um conselheiro de um lado diz ao do outro algo como “Como deixamos isso acontecer?”, questionando como deixaram mulheres serem as pessoas mais poderosas daqueles países.
São muitos pontos levantados e Willimon tem dificuldade de tratar todos. A experiência anterior da diretora Josie Rourke fica clara em algumas passagens: o teatro. Fazendo aqui sua estréia no Cinema, Rourke cria momentos típicos dos palcos, algo que às vezes funciona, colocando força nos diálogos, e em outras vezes parece pequeno, subaproveitando as possibilidades quer o Cinema oferece. Em sua maior parte, Duas Rainhas enche os olhos com seu apuro técnico. Todos os recursos visuais funcionam, da maquiagem aos figurinos, passando pela bela fotografia. Tudo isso pontuado pela interessante trilha sonora de Max Richter (da série The Leftovers).
A falta de foco de Willimon ainda tem outra conseqüência desastrosa: ele tenta amarrar tantas pontas que parece sem tempo para terminar de uma forma apropriada. O fim é apressado, se amarrando de qualquer jeito ao início desnecessário, que de cara mostrou ao espectador o que acontecerá. Se você não conhecia a história real, teria a chance de ser surpreendido, mas o filme lhe rouba isso. As críticas ao mau uso da religião, personificada pelo personagem do ótimo David Tennant (de Jessica Jones), são mais um elemento em meio a tantos, todos mal aproveitados.
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