Faroeste ganha fôlego com Godless

por Kael Ladislau

Um dos exemplos mais recentes de um faroeste reinventado, Godless é uma minissérie criada por Scott Frank (roteirista de Logan, 2017) para a Netflix em 2017. Ainda que seja um western clássico, não podemos dizer que a série se prende aos pieguismos do gênero. A cidade de La Belle, no Novo México, sofreu com um acidente em sua mina de carvão, que matou os 83 homens que trabalhavam nela. Sobraram poucos homens e muitas mulheres, que tiveram que se virar. E é aí que Godless se difere das demais obras clássicas do gênero.

Longe de serem meras mocinhas, as cidadãs do pequeno povoado tocaram o barco de suas vidas. Nesse contexto somos apresentados a Alice Fletcher (Michelle Dockery, de Sem Escalas, 2014), uma rancheira exilada do restante do povoado que cria cavalos ao lado do filho mestiço e da mãe índia de seu falecido marido. Alice e as cidadãs de La Belle são surpreendidas com a presença do caçador Roy Goode (Jack O’Connell, de Invencível, 2014). Ferido, Goode foge de seu pai de criação e bandido sem escrúpulos, Frank Griffin, interpretado pelo excelente Jeff Daniels (sim, o Harry de Debi & Loide, 1994). Jack promete – e cumpre – dizimar todos que protegerem o seu filho adotivo, que lhe roubou uma baita quantia.

Os sete episódios da série mostram a perseguição de Griffin a seu filho, escondido em La Belle com outro nome, dado pelo xerife com fama de acovardado – e míope – Bill McNue (Scoot McNairy, de Narcos México). A única que sabe da verdadeira identidade do forasteiro é Alice, que o contrata como domador de seus cavalos, mas sem saber do perigo que esse “asilo” lhe traz.

Ainda que seja esse o principal mote da série, Godless ainda conta os diversos problemas que a cidade enfrenta por não ter mão de obra qualificada para trabalhar em sua mina de carvão. E nesse plano que vemos personagens excelentes, como Mary Agnes (Merritt Weaver, da série Nurse Jackie), irmã do xerife e espécie de líder entre as viúvas de La Belle. Os contextos da série são diversos.

O expectador fica atento a cada minuto dos episódios, afim de saber como todos os eventos se relacionam e como se dará o eminente embate entre Griffin e Goode. Ou, então, como se sairá o xerife míope, que vai provar suas qualidades indo atrás de Griffin, temendo sua reação ao descobrir que o filho estava escondido na cidade.

A história é contada por ótimas paisagens e uma cenografia que faz jus ao faroeste. Sem falar da opção de se contar em preto e branco os flashbacks que vez ou outra são mostrados, que trazem uma colorização em elementos fundamentais para a narrativa, como sangue num corpo. Há também referências a clássicos westerns, como Rastros de Ódio (The Searchers, 1957), de John Ford.

Mesmo com uma trama bem sólida entre os protagonistas masculinos, Godless se destaca por dar um novo papel às personagens mulheres no gênero: elas dão tiros, resolvem seus próprios problemas, tomam decisões e se apaixonam. Bem diferentes do retrato da mocinha indefesa e dependente de seu pai ou marido, visto em outros clássicos westerns.

As mulheres são a grande força de Godless

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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