por Marcelo Seabra
Uma das figuras mais controversas da política norte-americana ganhou uma cinebiografia badalada. E o mais interessante: ele e os demais retratados estão vivos. O que nos leva a crer que os produtores de Vice (2018) têm bons advogados, ou não têm juízo algum. Sem poupar ninguém, o filme traça um quadro bem negativo do republicano que ficou conhecido como o vice-presidente mais poderoso do mundo. O resultado é recordista de indicações nas principais premiações da temporada.
Quando mais jovem, o recém-casado Dick Cheney era apenas um fanfarrão que bebia, arrumava confusão com a polícia e se contentava com um emprego meia-boca. Sua esposa, Lynne, lhe dá um ultimato para que mude de vida e ele consegue uma vaga como assessor no congresso. Aí, começa a carreira na política de Cheney, que viria a ser o vice de George W. Bush entre 2001 e 2009 e seria o principal responsável pela caça aos terroristas empreendida pelos americanos. De jogador ignóbil, ele passou a dar as cartas. Ele inclusive foi um grande propagador de fake news, o que já existia bem antes de Donald Trump e Bolsonaro.
O roteirista e diretor Adam McKay emprega novamente alguns dos recursos de seu premiado A Grande Aposta (The Big Short, 2015) e ainda se mostra um contador de histórias habilidoso. A montagem ágil e engraçadinha, com vários suportes visuais, como letreiros, metáforas e ironias, movimenta o que poderia ser um filme chato, devido ao tema tratado. A narração de Jesse Plemons (de A Noite do Jogo, 2018) ajuda a explicar algumas passagens, reduzindo a vontade do espectador de parar e voltar trechos para assistir novamente.
Grande parte do sucesso de Vice se deve a seus intérpretes. No papel principal, Christian Bale (o Batman de Christopher Nolan) some numa maquiagem bem-feita e nos 18 quilos que engordou, dando vida a Cheney por todos os anos que o roteiro o acompanha. O jeito quieto, que esconde uma personalidade maquiavélica e inescrupulosa, é muito bem incorporado pelo ator, que o faz parecer estar sempre guardando suas opiniões e analisando as situações. Fica clara a ponte que Cheney faz entre empresas petrolíferas e o governo, colocando interesses financeiros acima do Estado.
Todo o elenco de apoio é ótimo, principalmente os três principais: Amy Adams (de A Chegada, 2016) vive a esposa de Cheney, Lynne; Steve Carell (de A Grande Aposta) é Donald Rumsfeld, uma espécie de mentor para Cheney; e Sam Rockwell (de Três Anúncios para Um Crime, 2017 – acima) faz um George W. Bush perfeito, evitando cair na caricatura, mas evidenciando o ridículo que o sujeito era/é. Inclusive, todos se encaixam nessa característica, dando profundidade a seus personagens.
Ao esmiuçar as jogadas políticas, McKay não se furta de apontar dedos, o que pode levar o público a considerá-lo um liberal. Há uma cena no meio dos créditos que já adianta esse possível comentário, e é bem espirituosa, além de trazer a crítica para os dias de hoje – e não é válida apenas nos EUA. O diretor divide os políticos em basicamente três grupos: os que causam o mal (como Cheney), os que veem e não concordam (como o Colin Powell de Tyler Perry) e os que não têm ideia do que está acontecendo (W. Bush). E procura fundamentar tudo com fatos, para não ficar apenas no campo das suposições. Dessa forma, o Cinema ianque faz com que o espectador estrangeiro conheça melhor a história dos EUA que a de seu próprio país.
É claro que muito ficou escondido até hoje. Cheney foi habilidoso ao evitar as armadilhas que pegaram seus antecessores, como Nixon, tomando bastante cuidado com registros de conversas, digitais ou em áudio. McKay precisou juntar o que se sabe com uma dose de criatividade para preencher as lacunas deixadas. O resultado é crível o suficiente para o tomarmos por verdadeiro. E casa bem com um vice-presidente que entrou no cargo com boa aceitação pela população e o deixou em desgraça, o que ele aceitou bem por acreditar que era o sujeito que fazia o que tinha que ser feito.
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