Homem-Aranha no Aranhaverso é pura diversão

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

O conceito de múltiplas dimensões (ou multiversos) é bastante explorado nas histórias em quadrinhos. Apesar de ser mais popularmente utilizado pela DC Comics, a Marvel também se aproveita do conceito de haver versões diferentes do mesmo personagem em dimensões diversas. E isto é explorado em Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man: Into the Spiderverse, 2018), produção da Sony em parceria com a Marvel Studios que levou para casa o Globo de Ouro de melhor animação neste ano e concorre ao Oscar.

Quando a animação começa, somos apresentados a uma versão um pouco diferente do herói aracnídeo que conhecemos. Apesar de ser Peter Parker, este é um Homem-Aranha mais bem-sucedido e popular do que aquele que nos acostumamos a ver, especialmente em sua trilogia original. Este Peter Parker (voz de Chris Pine) habita a mesma dimensão na qual vive Miles Morales (Shameik Moore), o protagonista da animação.

Miles é um adolescente quase típico. Mora no Brooklyn com os pais, o policial Jefferson (Brian Tyree Henry) e a enfermeira Rio (Luna Lauren Velez), e tem uma boa relação com o tio Aaron (Mahershala Ali). Ele é quase típico porque, a exemplo de boa parte dos Homens-Aranha da história da Marvel, Miles tem um Q.I. acima da média, o que faz com que acabe indo estudar em uma escola para adolescentes especiais. Isso, no entanto, não o faz deixar de ser um adolescente meio rebelde.

Miles gosta de grafitar paredes e colar adesivos em propriedade pública, o que não cai bem com seu pai. Seu tio, Aaron, não tem dessas restrições e, ao levar o moleque para um lugar secreto onde ele poderia grafitar à vontade, Miles é picado por uma Aranha geneticamente alterada, vinda de uma outra dimensão. Inicialmente, ele pensa que aquele é um aracnídeo comum e deixa pra lá.

Pouco depois, ele acaba se envolvendo inadvertidamente em uma briga envolvendo o Homem-Aranha, o Rei do Crime (Liev Schreiber) e o Duende Verde (Jorma Taccone). Wilson Fisk tem um projeto envolvendo explorar dimensões paralelas. O Homem-Aranha, claro, quer impedir o experimento, pois acredita que ele resultará na morte de praticamente todos os habitantes de Manhattan. No conflito que se segue, o Homem-Aranha morre e Miles, já ciente de seus poderes, promete seguir o legado do herói e impedir que Fisk complete seu experimento.

O que Miles não sabe é que Fisk conseguiu abrir um portal dimensional durante a luta com o Homem-Aranha. Cinco dimensões foram alcançadas e um ser de cada uma delas foi atraída para aquela dimensão. Entram em cena a Mulher-Aranha (ou Spider-Gwen, voz de Hailee Steinfeld), uma versão mais velha do Homem-Aranha (Jake Johnson), o Homem-Aranha Noir (voz de Nicolas Cage), Peni Parker (Kimiko Glenn), uma versão do Homem-Aranha robótica e o Porco-Aranha (John Mulaney). Juntos, eles têm duas missões: ensinar Miles Morales a se tornar um Homem-Aranha digno e arruinar os planos de Fisk, impedindo-o de causar um genocídio em sua própria dimensão.

Homem-Aranha no Aranhaverso é uma animação extremamente divertida. Ao contrário de muitos filmes de heróis atuais, onde as piadas são forçadas e às vezes mal encaixadas, aqui elas funcionam em praticamente todo o tempo. Apesar de Miles Morales ser o protagonista da película, os melhores momentos dela, tanto os cômicos quanto os heroicos são, de longe, estrelados pelo Peter Parker de Jake Johnson. Ele rouba a cena em praticamente todos os momentos em que aparece.

Outro destaque cômico vai para o Homem-Aranha Noir, que acaba sendo muito mais engraçado do que o Porco-Aranha. E aqui vale um esclarecimento: ao contrário do que vem se propagando na internet, o Porco-Aranha não se originou como uma homenagem ao longa-metragem dos Simpsons, onde Homer faz uma brincadeira com seu porco. Este personagem, que no original se chama Spider-Ham (ou Presunto-Aranha), foi apresentado ao mundo em 1983, vinte e quatro anos antes do mascote suíno de Homer.

Além das piadas óbvias, Homem-Aranha no Aranhaverso tem algumas mais sutis, que poucos notarão. Os níveis de ação e de drama do longa também estão bastante equilibrados e a animação em si é muito bem feita, ainda que o 3D não seja tão necessário (como, aliás, acontece na maioria dos filmes atuais). Até mesmo a história do longa, se não tem nada de especial, é bem redondinha, cortesia de Phil Lord e Rodney Rothman. Mesmo aqueles que não conhecem Miles conseguem se importar com ele e com seus companheiros aracnídeos, cujas origens são apresentadas na tela, algumas mais longas, outras mais resumidamente, de forma a situar os espectadores que não estão familiarizados com estes personagens.

Homem-Aranha no Aranhaverso tem praticamente duas horas de duração, longo para uma animação. Mas é tão divertido e cheio de ação, que parece mais curto. Como não poderia deixar de ser, aqui também temos uma participação engraçada do falecido Stan Lee e uma cena pós e uma ao final dos créditos. Essa, inclusive, é uma das mais divertidas da história das cenas pós-créditos de todas as produções Marvel atuais, ainda que não tenha muita relevância para o longa nem estabeleça um gancho para uma possível continuação. Ao contrário da cena pós-créditos de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, no entanto, essa vale muito a pena esperar.

Finalmente, há uma reclamação a ser feita que é o fato de haver pouquíssimas sessões de Homem-Aranha no Aranhaverso legendadas. Já passou da hora das distribuidoras nacionais perceberem que animações não são apenas para crianças e que há toda uma geração de adultos, que preferem o áudio original, fãs delas.

Mais histórias no Aranhaverso estão a caminho

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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