por Marcelo Seabra
Uma história tão absurda só poderia ser verdadeira! Dizer que um policial negro conseguiu se passar por um supremascista branco que chegou ao líder da Ku Klux Kan seria algo muito louco, e é exatamente o que Ron Stallworth conta em sua autobiografia, que chega agora aos cinemas comandada por Spike Lee. Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, 2018) é ambientado nos anos 70, mas está mais atual do que nunca, já que temos visto e ouvido discursos de ódio que pareciam superados e movimentos racistas crescendo em plena luz do dia.
Quase sempre um cineasta relevante, Lee dá muita ênfase à luta do movimento negro, contando histórias importantes, que precisam ser conhecidas. De Faça a Coisa Certa (1989) a Verão em Red Hook (2012), passando por Malcolm X (1992) e A Hora do Show (2000), ele tem várias obras que vão nessa direção, e esta nova conta outro episódio importante. Para o papel principal, ele escalou o filho de seu colaborador frequente, Denzel Washington, e pode-se dizer que o talento corre nas veias da família. John David Washington (da série Ballers) passa a confiança e a audácia necessárias ao papel, e tem uma presença de cena forte.
Vendo um anúncio de recrutamento no jornal, Stallworth liga pro escritório da KKK e consegue marcar um encontro com o responsável local. Para ser a cara do personagem que criou, ele precisa contar com um colega por uma razão simples: ele é negro, o primeiro da força policial de Colorado Springs. Por isso, recorre a Flip Zimmerman (Adam Driver, de Star Wars: Os Últimos Jedi, 2017), policial de origem judaica que encarna a persona e destila discursos raivosos, na medida em que os outros querem ouvir. Dessa forma, em dupla, eles conseguem informações valiosas sobre possíveis atentados, salvando vidas e mostrando aos espectadores como é grotesco e raso o pensamento daquela gente.
Numa participação muito bem escolhida, Topher Grace (de Máquina de Guerra, 2017 – abaixo) vive David Duke, então Grande Mago do Cavaleiros da Ku Klux Klan – sim, esse cargo existe e é levado a sério por eles. Duke participou de diversas eleições e chegou até às primárias para ser candidato à presidência dos Estados Unidos, tentando por ambos os partidos principais: os democratas e os republicanos. Nunca passou de cargos locais e ainda arrumou confusão mundo afora, tendo sido expulso da Itália quando vivia no norte do país e preso na República Tcheca sob suspeita de “negar ou aprovar o genocídio nazista e outros crimes nazistas”, acusações depois retiradas.
Duke é a figura que liderava a “Organização”, como eles próprios se chamavam. Em seu discurso, ele alerta para o perigo de demagogos que usam a retórica para fazer a cabeça das pessoas, e sem perceber se descreve perfeitamente. O gestual calculado de Grace é muito acertado, sempre passando a impressão de uma pessoa fina, educada, gentil, incapaz de qualquer ato de violência e de quem seria impossível discordar. Ele só cresce quando é hora de sustentar seus preconceitos em frente a seus comandados, e tudo o que sai de sua boca é vazio. Ele chega a afirmar que poderia, por telefone, diferenciar um branco de um negro pela forma como eles falam. Algo que lembra a atroz eugenia nazista.
Expondo o ridículo das filosofias supremacistas brancas, Lee conta uma história interessante e divertida, com pontuais momentos de humor, e lança mão de suas marcas registradas, como a tomada em um corredor em que dois personagens avançam aparentemente sem se mexerem. Um elenco competente, com merecido destaque para Driver, além dos já citados Washington e Grace, completa um quadro firmemente pintado por Lee. Infiltrado na Klan tem sido apontado por críticos ianques como o primeiro filme de autor a se posicionar contra Trump, e o faz diretamente, sem subterfúgios. Para muitos, é para isso que o Cinema existe: divertir e fazer pensar.
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