por Marcelo Seabra
Em época de eleição, é normal que só se ouça falar sobre política. Essa semana, um episódio famoso da História do Brasil faz o tema chegar também ao Cinema. É a estreia de O Paciente – O Caso Tancredo Neves (2018), longa que reconta os últimos dias daquele que seria o primeiro presidente do país após o fim da ditadura militar. Símbolo de liberdade e retomada de crescimento, Tancredo foi parar num hospital e não saiu com vida.
Com longo histórico de filmes políticos (como O Homem da Capa Preta, Lamarca e Guerra de Canudos, entre outros), o diretor Sérgio Rezende mais uma vez volta sua atenção para um período relevante. Segundo Rezende, em rápidas palavras antes da exibição, Tancredo é um personagem muito importante que poderia ter mudado os rumos do país. Essa admiração é facilmente percebida na obra, que trata o biografado como a única salvação de um povo, a chance ímpar de tirar os militares do poder. O roteiro, assinado por Gustavo Liptzein, adapta o livro homônimo de Luís Mir.
A primeira qualidade a ser ressaltada é o fato de o filme já começar, numa narração do contexto, reforçando que se tratava de uma ditadura militar. Nesses tempos bicudos em que vivemos, é importante deixar isso claro. Daí a importância do Dr. Tancredo – como era chamado. Sentindo dores abdominais há algum tempo, ele vê a situação chegar ao extremo, com todos os médicos em volta recomendando uma cirurgia imediata. A partir desse ponto, temos uma mistura de House of Cards e House. Ou, quem sabe, Grey’s Anatomy, já que são muitos a darem palpites e o drama toma conta. É até mencionado o boato de que ele teria sido alvejado numa missa, o que tem gente acreditando até hoje.
No papel principal, temos um ator inegavelmente competente que, ainda por cima, se parece muito fisicamente com Tancredo. Othon Bastos (de Heleno, 2011), no entanto, tem um quê teatral que transforma todas as suas falas em discursos. Em alguns momentos, essa postura (e impostação de voz) é adequada, mas por vezes passa da conta. Alguns de seus coadjuvantes parecem aderir, soando artificiais, principalmente na primeira sequência, numa conversa em família. Quando a ação se transfere para o hospital, temos chance de ver melhores interpretações, o que contribui muito para o sucesso do projeto.
Entre os médicos, vários nomes merecem menção honrosa: Elcir de Sousa, Otávio Müller, Leonardo Franco, Leonardo Medeiros, Pedro Brício, Paulo Betti (apesar da careca tosca) e Emiliano Queiroz. Eles vivem profissionais da saúde que mais parecem se preocupar com suas reputações que com seu paciente. A briga de egos toma um tempo precioso, algo que Tancredo não tinha. Além desses, outros destaques do elenco são Ester Góes, que faz uma Dona Risoleta refinada e marcante, e Emílio Dantas, o assessor de imprensa do presidente que é quase sempre o último a saber – o que é desesperador para alguém na posição dele.
A reconstituição de época é ótima, como mostra a Brasília (ou Variant II) que serve de táxi, entre outros itens. Algumas figuras em cena podem ser identificadas, como a representação da jornalista Glória Maria. Para dar mais veracidade, Rezende usa também imagens e depoimentos reais, como o do ex-governador Hélio Garcia e de Ulisses Guimarães. E, nos próprios diálogos, percebemos que não pegaram leve. Principalmente com o vice, José Sarney, que caiu de paraquedas apenas por um arranjo político e era execrado por todos os lados. Aécio, o neto abjeto, era apenas um projeto de playboy que nunca chegou tão perto da presidência quanto naqueles dias.
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