por Marcelo Seabra
O lado ruim de assistir a um filme depois de muita gente lá fora já ter tido a mesma chance é o fato dele chegar cercado de falatório, seja positivo ou não. The Post: A Guerra Secreta (2017), de uma forma geral, tem uma cotação ótima nos sites especializados, mas recebeu uma boa dose de críticas negativas nos Estados Unidos e a maioria tem a ver com a ênfase dada aos funcionários do jornal Washington Post, que são mostrados como os protagonistas da história. Trata-se de um ponto de vista, e um bem válido, o que não desmerece em nada o resultado.
Em junho de 1971, o jornal The New York Times começou uma série de publicações revelando documentos confidenciais do governo americano que haviam sido vazados. Um ex-colaborador do alto escalão, sentindo que seus superiores estavam enganando o país, decide revelar os segredos por trás da Guerra do Vietnã, conflito que matou muitos norte-americanos e só não foi encerrado antes por covardia e incompetência dos encarregados. Nenhum presidente queria ter ligada ao seu nome uma derrota de grandes proporções, como seria o caso.
Impedido pela justiça de dar continuidade à história sob a alegação de colocar os soldados e a segurança nacional em risco, o jornal não teve outra opção a não ser parar. Isso deu ao rival Washington Post a oportunidade de correr atrás do prejuízo e dar suas próprias notícias. O risco de atraírem para si o mesmo tipo de problema jurídico era grande, mas a liberdade de imprensa deveria ser protegida a qualquer custo.
Em meio a essa importante narração histórica, temos dois grandes méritos tratados de forma magistral por Steven Spielberg (de Ponte dos Espiões, 2015) e seus roteiristas, Liz Hannah e Josh Singer (premiado pelo também “jornalístico” Spotlight, de 2015). A produção de um jornal impresso nos anos 70 é esmiuçada, da reunião de pauta à impressão no parque gráfico, passando pela consulta legal que se faz necessária. Afinal, dependendo da natureza do assunto, os advogados têm que entrar em cena.
A outra questão que acompanhamos é a forma com a mulher profissional é mostrada. A personagem de Meryl Streep (de Florence Foster Jenkins, 2016) é um grande exemplo para garotas que sonham em sair da sombra do pai ou do marido, o que ela fez meio que por necessidade e acabou se encontrando. Katherine Graham era a dona do Post e seu papel na manutenção e consolidação do jornal foi fundamental. “Ela tem tudo a perder”, observa brilhantemente a personagem de Sarah Paulson (de Feud). Em um papel pequeno, Paulson mostra a que veio em uma fala apenas, com a competência de sempre. E Meryl, bem… É Meryl, sempre genial, mas nada acima de outros papéis recentes.
O elenco de The Post é algo que só um diretor do porte de Spielberg consegue reunir. Todos estão muito bem, e o destaque é Tom Hanks (de Inferno, 2016). Ben Bradlee, o mais famoso editor do Post, foi mostrado antes em outros filmes, já que também ocupava o cargo na cobertura do caso Watergate. Hanks mostra um sujeito ético e ávido por boas notícias, que quer trazer reconhecimento para seu jornal, mas com uma pontinha também de vaidade, quer o mérito de ser o cabeça de furos jornalísticos marcantes. Hanks ocupa o papel principal e sabe exatamente o que fazer. Além dos já citados, ele é cercado por gente como Bruce Greenwood (que já até viveu Kennedy), Tracy Letts, Matthew Rhys, Carrie Coon, Bradley Whitford e especialmente Bob Odenkirk (o próprio Better Call Saul), que aproveita sua chance para brilhar.
O foco que Spielberg escolhe é a equipe do Post, mas o Times não passa batido. A importância dos dois jornais no caso dos documentos do Pentágono é deixada clara, incluindo aí a amizade entre Graham e Abe Rosenthal (Michael Stuhlbarg, de Me Chame Pelo Meu Nome, 2017), que não deixam seus papéis aparentemente antagonistas atrapalharem sua amizade. Essa também é outra questão levantada com muito tato pelo roteiro: como o fazer jornalístico é afetado quando há amizade entre partes conflitantes – no caso, Graham e Robert McNamara (Greenwood).
The Post traz luz a um episódio importante e interessante da história dos Estados Unidos e sua exibição em cursos de jornalismo já é essencial, como o recente Spotlight e o novo clássico Todos os Homens do Presidente (All the President’s Men, 1976), que deu um Oscar a Jason Robards pelo papel coadjuvante de Ben Bradlee. O meio do filme pode ser um pouco cansativo, e as constantes trapalhadas mostradas, como deixar volumes caírem e atravessar a rua sem olhar, irritam um pouco. Mas isso se perde no todo, que é mais um ponto marcado na brilhante carreira de Spielberg.
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