Del Toro define A Forma da Água

por Marcelo Seabra

O Cinema já contou milhões de histórias de amor, e é preciso paciência para pular as mais óbvias e repetitivas. Mas eis que chega Guillermo del Toro, um senhor contador de histórias que já nos presentou com algumas pérolas, e mexe em todo esse esquema fazendo A Forma da Água (The Shape of Water, 2017). Se o filme passa longe de algo, é de clichês. Pelo contrário, pode até causar bastante estranhamento pela natureza do relacionamento que ele nos apresenta.

Com histórias belas e sensíveis no currículo, como A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo, 2001) e O Labirinto do Fauno (Pan’s Labyrinth, 2006), o diretor e roteirista nos apresenta agora a Elisa (Sally Hawkins, de Paddington, 2014), uma moça humilde que passa seus dias limpando as instalações de um órgão militar de pesquisas. Muda, Elisa passa o turno todo ouvindo as histórias e lamentações da colega, Zelda (Octavia Spencer, de A Cabana, 2017), tendo também a companhia do amigo Giles (Richard Jenkins, de Kong, 2017) em casa.

A rotina tranquila é tumultuada com a chegada de uma nova cobaia para estudos, uma espécie de humanoide anfíbio descoberto nos mares da América do Sul. Sua fisiologia diferenciada poderia proporcionar ao homem a tão sonhada ida ao espaço, fazendo os americanos tomarem a dianteira do programa espacial. Por precisar normalmente de recursos e gestos para se comunicar, Elisa acaba se aproximando da criatura, e eles criam um laço forte.

É claro que nem tudo são flores e Michael Shannon (de Animais Noturnos, 2016 – abaixo) chega para estragar a festa, ou ao menos dificultar. Ele é o militar encarregado da segurança do lugar e deve entregar resultados, traduzidos em avanços nos estudos sobre o sistema respiratório do anfíbio. O chefe da equipe de pesquisas é vivido por Michael Stuhlbarg, que só nessa temporada de premiações aparece ainda em The Post (2017) e Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name, 2017). E Doug Jones, mais conhecido como Fauno ou mesmo Abe Sapien (de Hellboy), marca presença novamente como um ser fantástico.

Todo o elenco está muito bem, o que reafirma o talento de del Toro para escolher e conduzir atores. A ambientação dos anos 60 é fantástica, com uma trilha sonora bem apropriada, que inclui clássicos de Benny Goodman à nossa Carmem Miranda. A fotografia vai de ótima a espetacular, merecendo o adjetivo poética por várias vezes. Mas, mesmo com elementos isolados que funcionam muito bem, o resultado final não justifica todo o barulho que vem se fazendo em torno da produção. É um filme muito bom, sim, mas não o melhor da temporada, muito menos o destaque na carreira de del Toro.

Um Oscar de Melhor Filme para A Forma da Água, ou mesmo para o diretor, seria um jeito de compensar um artista que merece esse tipo de reconhecimento já há algum tempo. Mas pode não ser justo com nomes como Christopher Nolan, no ano em que ele entregou o impecável Dunkirk. De qualquer forma, é um projeto de muitas qualidades. Independente de premiações ou hype, vale muito a conferida.

O elástico Doug Jones mais uma vez impressiona

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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