A Vilã e Boneco de Neve trazem psicopatas insossos

por Marcelo Seabra

Duas estreias da semana ocupam extremos quanto ao andamento, mas se encontram no resultado. Enquanto uma é ágil e acelerada, bagunçando a trama na cabeça do público, a outra é rasa, devagar e enfadonha. O problema é que ambos os extremos são complicados: se uma obra não captura a sua atenção e não te engaja, a outra te perde no andar da carruagem, tamanha é a aparente complexidade.

Se for possível imaginar Pedro Almodóvar dirigindo um longa de ação inspirado em La Femme Nikita (1990), o resultado ficaria bem próximo de A Vilã (Ak-Nyeo, 2017). Com uma contagem de corpos acelerada, o filme mistura uma trama de espionagem com o drama de uma mãe, mas a violência exagerada deixa o público dormente, sem se importar com nenhuma das duas.

Coreografadas como poucas em Hollywood, as cenas de luta dessa produção sul-coreana envolvem todo tipo de golpe e arma branca. Em alguns momentos, você pode esperar por armas de fogo, que resolveriam logo os problemas, mas os envolvidos sacam espadas. A sequência inicial até lembra a famosa cena do corredor de Demolidor, mas elevada à enésima potência. Algo como visto também em Old Boy (2003), mas existe uma explicação para a garota lutar tão bem, ela não aprendeu vendo Bruce Lee na TV.

A Vilã tem muitos acertos. Os exageros criam um clima de fantasia que cai bem, mostrando que aquele universo talvez não seja o nosso, com muitas imagens bonitas. Mas a coisa chega a tal ponto que você já não sabe direito o que está acontecendo, e o pior: não se importa. No fim, as peças se encaixam, tudo é esclarecido e você realmente assistiu a belas cenas de ação. Mas isso não parece ser suficiente no quadro geral, além da sessão ser muito longa. Ou seja: começa bem, mas vai piorando.

Fazendo o contraponto, temos a estreia de Boneco de Neve (The Snowman, 2017), cuja produção tem a capacidade de colocar no papel de um policial alcóolatra de meia idade um ator com físico de super-herói. Ou super-vilão, já que estamos falando de Michael Fassbender (o Magneto dos X-Men) e sua barriga de tanquinho – que eles fazem questão de mostrar. Mas tem muita coisa pior que o problema de caracterização do protagonista para falar nesse filme, e até o próprio diretor já o renegou.

Entrando para a longa lista de cineastas que ficaram extremamente insatisfeitos com um longa que comandaram, como David Fincher em Alien 3 (1992) e David Lynch em Duna (1984), o sueco Tomas Alfredson nem esperou pelo lançamento para se manifestar. Ele afirma que quando assumiu a direção, que seria de Martin Scorsese, veio o sinal verde e tudo teve que ser corrido. Por causa disso, entre 10 e 15% do roteiro não foi filmado, resultando em uma colcha de retalhos faltando pedaços.

O fracasso é uma pena se notarmos que se trata do diretor de Deixa Ela Entrar (2008) e O Espião que Sabia Demais (2011), dois filmes excepcionais. E a história é do festejado escritor Jo Nesbø, cujo livro deu origem a Headhunters (2011), outro resultado muito bom. E o elenco não deixa nada a desejar, apesar de mal aproveitado: além de Fassbender, que parece vítima de uma maldição da bilheteria baixa, temos em cena Rebecca Ferguson, Charlotte Gainsbourg, J.K. Simmons, Toby Jones, Chloë Sevigny, James D’Arcy e um irreconhecível Val Kilmer. A maior parte deles em pontas, o que é inconcebível visto o talento de Sevigny, caso mais gritante.

Fãs do livro de Nesbø gritam aos quatro cantos que a adaptação não faz justiça, que o original é muito melhor. Realmente, não teria como ser pior. Fassbender vive Harry Hole, um grande detetive no passado que hoje vive escornado, bêbado, sendo encontrado facilmente em sarjetas geladas por aí. Praticamente mendigando por um caso para investigar, já que o chefe gosta dele, mas tem juízo para não confiar nele, Hole acaba entrando de carona na investigação de Katrine Bratt (Ferguson). A novata procura por mulheres desaparecidas e encontra uma conexão entre elas.

A sinopse de fato motiva qualquer um a ir ao cinema, imaginando se tratar de um novo Silêncio dos Inocentes (1991) ou algo que o valha. Mas a realização não gera qualquer tipo de suspense, tensão ou mesmo curiosidade. Informações são jogadas, outras são retidas, e simplesmente tudo se resolve. Pronto, fácil assim. O desafio que fica para o espectador é achar justificativa para trechos e personagens do filme, que você não entende porque estavam lá. O Framboesa de Ouro de pior edição estaria garantido, se existisse essa categoria. E este é o fim da carreira cinematográfica de Harry Hole.

Faltam muitas coisas no filme, mas essa figura ridícula está lá

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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