Liga da Justiça é mais um ponto para a DC

por Marcelo Seabra

Parece que os produtores da DC aprenderam muito com a lição de Mulher Maravilha (Wonder Woman, 2017). Ou seria de observar os resultados da Marvel no Cinema? Ou ainda teria o afastamento de Zack Snyder feito muito bem? Qualquer que seja a razão, o fato é que Liga da Justiça (Justice League, 2017) é um filme muito superior a outras empreitadas com ícones da editora e teremos espectadores no mundo inteiro respirando aliviados, sabendo que seus heróis favoritos foram bem tratados.

Antes de falar sobre o filme propriamente, é preciso fazer um adendo: comparações com a Marvel são inevitáveis. As dinâmicas entre os personagens são bastante similares, mesmo que se alternando. Bruce Wayne e Tony Stark têm muito em comum, e Diana às vezes é a voz dissonante da razão, como Bruce Banner, para na sequência se tornar o alter-ego verde, partindo para porrada. E o Flash é o grande responsável pelo bom humor. Ou seja: temos aqui tudo o que os detratores da Marvel costumam apontar ao defender a DC. Tem muito de Vingadores 2 nesse Liga da Justiça, o que fica ainda mais evidente quando se observa que, com a ausência de Snyder, quem assumiu o batente e transformou o resultado foi exatamente Joss Whedon, responsável pelos dois Vingadores.

Com todos os defeitos de Whedon apontados nos filmes da Marvel, ainda é um alívio saber que ele acabou pesando mais na montagem que Snyder, e é muito fácil indicar cenas dirigidas por cada um. Por mais que o crédito seja de Snyder, ele já disse em entrevistas que o produto não é o que ele tinha idealizado. Algumas decisões parecem bobas, mas ajudam a fazer a diferença. A duração mais curta, fixada em duas horas, é uma delas, além do título simples. E eficaz.

No início, talvez por influência de Logan (2017), e a atenção que Johnny Cash chamou, temos uma bela versão de um sucesso de Leonard Cohen, Everybody Knows. A Terra parece ter perdido a esperança com a morte de seu campeão. Um rápido passeio da câmera revela muita coisa, ninguém engoliu a morte de Superman (Henry Cavill). Prevendo o mal que está por surgir, Bruce Wayne (Ben Affleck) se une à Princesa Diana (Gal Gadot) para que, juntos, possam recrutar outros super-seres, que formariam a resistência do planeta.

Em rápidos entremeios, descobrimos um pouco mais da história do Flash (Ezra Miller), Ciborgue (Ray Fisher) e Aquaman (Jason Momoa), além do que está acontecendo em Temiscira. Resumindo, todos os cinco têm histórias de perdas, como também era o caso do Superman. Isso acaba ficando um pouco repetitivo, mas não deixa de dar um passado a cada um e é também uma forma de uni-los e fazer com que se dediquem a uma causa maior. Nada ridículo como o “Martha” de Batman vs Superman (2016). Todos são bem utilizados pelo roteiro (assinado por Whedon e Chris Terrio) e têm boas oportunidades de usar seus poderes. Sobra até para o Alfred de Jeremy Irons, que segue sendo o back office de Bruce.

Sem entrar em detalhes sobre a história, mesmo que muito já tenha sido revelado por campanhas de marketing e seja até esperado, é interessante notar o tratamento dispensado aos personagens. Todos parecem mais humanos. Se a DC é sempre lembrada por ter deuses, dessa vez podemos vê-los feridos, inseguros ou mesmo tristes. O Batman, por exemplo, fica para trás mais de uma vez, o que é totalmente compreensível, já que seu único poder “é ser rico”. E, como geralmente ele é o deprimido da turma, dessa vez até ri e faz piada. Para que os personagens ficam aparecendo sem camisa a gente não sabe. Pode ser para humanizá-los, ou apenas para oferecer um agrado às espectadoras, tão acostumadas a ver mulheres em trajes mínimos desnecessariamente. Ao menos para o Aquaman a falta de figurino faz sentido.

Affleck se mostra um dos melhores Batmen do Cinema, é uma pena que não deva durar no papel – ele tem dito em entrevistas que pretende arrumar uma forma graciosa de deixar o personagem. Gadot é mais uma vez uma mistura de força e doçura na dose certa, geralmente roubando a cena quando aparece. E Miller, como Flash, traz um equilíbrio raro, já que não faz o tipo machão que costuma aparecer em produções do tipo. Esse fica mais para o Ciborgue, que esconde uma grande inteligência atrás do corpo biônico e da cara fechada, e para o Aquaman de Momoa (abaixo), um bad boy que não deve ser tão burro quanto parece. A cena dele falando verdades é ótima e quebra alguns paradigmas.

Os pequenos afagos aos fãs aparecem aqui e ali e devem deixar muitos alegres. Um telefone vermelho, por exemplo, remete à série sessentista do saudoso Adam West. Uma cena de batalha, contada em flashback, traz vários personagens que poderão ser identificados, como por exemplo uma certa tropa verde. Uma “metacuriosidade” é ter o pai do Flash vivido por Billy Crudup: ele foi colega de Jeffrey Dean Morgan, que fez o pai de Bruce, em Watchmen (2009), também de Snyder. E ninguém melhor que o experiente Danny Elfman para cuidar da trilha, dando pitadas de vários temas misturados. Ele aproveita até para revisitar sua marcante música do Batman de Tim Burton, mesmo que rapidamente.

Liga da Justiça se amarra bem ao que vimos antes e vai mais longe, felizmente. Fabian Wagner, o diretor de fotografia, é novo nesse universo, e traz luz e cores, ao contrário da chuvarada dos anteriores. E um grande acerto é não haver qualquer referência à bomba Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016), que com sorte será esquecido e sofrerá um reboot em breve. Vamos aguardar o desenrolar dos fatos para saber o que esperar do próximo Liga da Justiça, se será cria de Whedon ou Snyder, que teve problemas familiares e ainda toca outro projeto. Se seguir pelo caminho desta aventura, podemos nos dar por satisfeitos.

Ah, e não deixe de ver as duas cenas pós-créditos, como já é tradição em adaptações de quadrinhos.

A revista Variety cobriu a premiere do longa, dia 13

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Eu assisti agora a tarde e achei péssimo, para uma gigante como a DC perder tao feio assim para a Marvel chega a ser humilhante, achei esse ainda pior que Batman x Superman

    • Uma pena, Dirceu! Vimos muitos méritos nesse, bem mais que em BvsS. Abraço!

  • Ainda não vi o filme mas gostei do review. Pela foto ficou muito claro (já era óbvio) que superman iria voltar. (não há liga sem ele, Han? Han? Trocadalho) agora fiquei com mais vontade de ver ainda. Critics construtiva, n se esqueça de justificar o texto. Fica bem melhor.

    • Vá ver, Bruno, deu liga!
      Quanto ao texto, sempre escrevo justificado, mas ele se ajusta quando colo aqui. Eu dou essa liberdade pro texto! hehehe

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