por Marcelo Seabra
1968 foi o ano das “Barricadas do Desejo”, da greve geral na França que reuniu todas as classes e etnias numa insurreição popular. E foi também quando Jean-Luc Godard se sentiu longe de seu público e inútil para seu povo. Ele renuncia a tudo que fez até então e começa a acompanhar os movimentos revolucionários que têm surgido. É nesse período que O Formidável (Le Redoutable, 2017) nos leva ao diretor, focando também em como andava o casamento dele com a atriz Anne Wiazemsky.
Baseado no livro da própria Wiazemsky, o roteiro traz Louis Garrel no papel principal. O que é curioso, já que ele despontou para a fama em Os Sonhadores (The Dreamers, 2003), um longa exatamente sobre esse mesmo período, dirigido por Bernardo Bertolucci, que aqui se torna personagem (vivido por Guido Caprino). O ator, geralmente apontado como galã, passou por uma piora no visual e mostrou um bem-vindo lado leve, ajudando a tornar o longa mais palatável.
Encontramos Godard quase recluso, sem sair de seu ninho de amor com Anne (Stacy Martin, de Ninfomaníaca, 2013). Mas percebemos que a relação dos dois já foi melhor. Ou talvez não, eles sempre tenham tido uma certa frieza entre eles. Anne certamente admira Jean-Luc. Ele, por sua vez, se sente atraído por ela, mas não necessariamente por suas ideias. Talvez para enfatizar essa diferença, Martin passe boa parte do longa sem roupas, enquanto Garrel faz discursos sobre qualquer pequeneza da rotina.
Os dois estereótipos são reforçados em meio a piadas metalinguísticas e a um ar que tenta emular o clima dos filmes de Godard. A estética, as cores, a trilha sonora, tudo tenta recriar essa atmosfera. Como nem todo filme do Godard é uma obra prima, recriá-los pode ser um tiro no escuro, ou no pé. O resultado parece mais longo que seus 110 minutos e se torna cansativo em alguns momentos, além de parecer meio esdrúxula a ideia de que alguém se interessaria pela vida amorosa de Godard. E dá a entender que a produção cultural dele terminou em 1968.
Extremamente feliz no longa que o revelou para o mundo, O Artista (The Artist, 2011), o diretor e roteirista Michel Hazanavicius reforça aqui alguns clichês e consegue fazer um Godard que, além de chato e pretensioso, se torna ciumento, o que impossibilita qualquer pessoa de ficar por perto. Não dá para entender como seus amigos não se afastam. “Gênios são difíceis”, diz o ditado, e este é um exemplo. Ao menos, no retrato que O Formidável pinta dele. Para piorar, o filme ainda é um tanto moralista, defendendo valores tradicionais, como o casamento que Anne busca salvar, e demonizando os revolucionários e os membros do grupo formado por Godard, o Dziga Vertov.
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