por Marcelo Seabra
Shimmer Lake
Sabemos que houve um assalto. Algo deu errado. O xerife não está muito feliz, principalmente por saber que o irmão está envolvido. Este fiapo de trama resume uma nova produção distribuída pela Netflix: Shimmer Lake (2017). E há um diferencial muito bem utilizado: a história é contada de trás para frente, dia a dia. Pode parecer mais do mesmo, que outros fizeram isso antes, mas o recurso causa de fato um efeito interessante, trazendo mais suspense sem enganar o espectador.
Aparentemente uma trama policial, o filme surpreende com momentos de humor, resultando num bom equilíbrio. E, ao invés de um interiorano ser mostrado como imbecil, a tarefa cabe aos agentes do FBI. Benjamin Walker (mais conhecido como Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, de 2012) vive o xerife de uma cidadezinha que teve o banco assaltado. Aos poucos, tomamos conhecimento do que houve e as peças vão se encaixando. E Rainn Wilson (de Super, 2010), geralmente lembrado como comediante, está num meio termo que consegue ser incômodo e tenso.
Shimmer Lake traz ainda em seu carismático elenco Ron Livingston e Rob Corddry como os abobados agentes federais e John Michael Higgins, outro sujeito engraçado naturalmente, num papel delicado. Lembrando começos simples (mas nunca menos que brilhantes) como Cães de Aluguel (Tarantino) ou Following (Nolan), podemos encarar essa empreitada como o sinal de uma bela carreira pela frente para o diretor Oren Uziel, que também assina o roteiro.
Fica Comigo
Constrangedor de tão ruim, Fica Comigo (You Get Me, 2017) é daqueles filmes que te fazem pensar como tantas pessoas podem ter caído, juntas, numa furada tão grande. Seriam as contas a pagar no fim do mês? Pior é pensar que muitos, por não terem o costume de abandonar um filme no meio, chegarão ao final da sessão disso. E o suplício se torna maior graças ao elenco insosso, liderado por uma tal Bella Thorne, atriz acostumada com aventuras adolescentes que resolveu mostrar que cresceu.
Numa trama mais do que batida, de menina que fica obcecada por menino, Thorne é a misteriosa garota de fora que chega na cidade magicamente na festa em que Tyler (Taylor John Smith, de American Crime), o namorado perfeito e apaixonado, arruma motivo para brigar com a amada (Halston Sage, de Como Sobreviver a Um Ataque Zumbi, 2015). Num misto de raiva e álcool, ele se entrega à desconhecida e vai se arrepender.
Todos os clichês esperados aparecem. A menina não poderia ser apenas desequilibrada, ela precisou perder o pai – como se isso tornasse as pessoas psicopatas. E a coisa só piora, Holly chega ao cúmulo de tentar matar uma colega por intoxicação apenas devido a um pé atrás. Ao invés de orgulhoso, Tom Ripley, o psicopata de Patricia Highsmith, ficaria com vergonha de tamanha apelação. O diretor, Brent Bonacorso, e o roteirista, Ben Epstein, fazem ambos suas estreias em um longa-metragem, e continuaremos a esperar por algo que preste.
Take Me
Depois de diversas participações em séries e filmes, com raros momentos de protagonismo, Pat Healy (de Pequenos Delitos, 2017) dirige e estrela uma produção dos irmãos Duplass. Take Me (2017), já disponível na Netflix, é uma comédia de humor negro que traz uma premissa esdrúxula: Ray tem uma empresa que simula o sequestro de seus clientes. Por incrível que pareça, os motivos que levam pessoas a contratá-lo são diversos.
Esse não será um bom fim de semana para Ray. Com um novo serviço que vai extrapolar suas habituais oito horas de contrato, ele captura a consultora financeira Anna St. Blair (Taylor Schilling, de Orange Is the New Black). Começa um duelo entre os dois que marca uma das relações mais interessantes entre captor e capturada. Em muitos momentos, ela se mostra mais forte e inteligente que ele, o “profissional”, e a situação atinge níveis surreais.
O também estreante roteirista Mike Makowsky demonstra talento para fazer o público rir de nervoso, além da química entre Healy e Schilling funcionar bem. Em um filme curto, eles conseguem entreter, divertir e levantar algumas questões. O que leva uma pessoa a querer ser sequestrada de mentira? E o que tem na cabeça o sujeito que oferece esse serviço? Dá pra pensar.
Um Contratempo
Passeando perigosamente pelo terreno das facetas escondidas dos personagens, Um Contratempo (Contratiempo, 2016) consegue sair ileso. O espanhol Oriol Paulo (de El Cuerpo, 2012) vira o jogo sem chamar ninguém de idiota, o que é fundamental para o sucesso da empreitada. É óbvio que a trama esconde mais do conhecemos nos primeiros minutos, e o diretor e roteirista é hábil ao conduzir o desenrolar, segurando a tensão até o final.
De cara, conhecemos o bem sucedido e jovem empresário Adrián Doria (Mario Casas, de Os 33, 2015), que precisa lidar com uma possível acusação de assassinato logo quando fecha um contrato milionário que vai lhe garantir tranquilidade financeira. A vítima foi morta em um quarto de hotel do qual aparentemente ninguém saiu ou entrou, e apenas ele estava lá. Cabe a uma advogada veterana (Ana Wagener, de Vulcania, 2015) entender o que houve e provar a inocência de seu cliente.
As peças são colocadas engenhosamente e Um Contratempo se mostra bem mais intricado do que parecia. É outra obra recente disponível na Netflix que vai agradar a fãs de séries como C.S.I. E o elenco principal, completado por Bárbara Lennie (de A Pele que Habito, 2011) e José Coronado (também de El Cuerpo), é bem forte, oferecendo uma ótima variação a quem está acostumado com produções faladas em inglês. E, até onde se sabe, o Doria da trama não tem parentesco com um certo prefeito teatral da vida real.
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