por Marcelo Seabra
Um subgênero que faz sucesso até hoje na sessão da tarde é o de filmes de animais de estimação. É muito comum encontrar na programação da TV um drama sobre um garoto e seu cachorro, ou sobre a menina que vai viver numa fazenda e se afeiçoa a seu cavalo. Fazendo uma releitura nessa linha, a Netflix lança esse mês sua nova produção original, Okja (2017), longa que causou certa polêmica no Festival de Cannes por disputar prêmios e não ter tido um lançamento nos cinemas.
Bong Joon Ho novamente demonstra preocupação com questões ambientais. Em O Hospedeiro (The Host, 2006), ele criou um monstro a partir de um rio poluído, e em Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013), as pessoas foram obrigadas a viverem em um trem, já que o planeta não oferecia mais condições. Agora, o diretor e roteirista sul-coreano fez uma ponte entre seu país e os Estados Unidos para falar sobre manipulação genética e maus tratos a animais num tom que muda radicalmente do idílico para o violento, sempre com um quê de farsa.
Depois de ser recusado em vários estúdios pelo rumo que toma, o roteiro de Okja (co-escrito por Jon Ronson, de Frank, 2014) encontrou casa na Netflix, que parece permitir maior liberdade aos realizadores que patrocina – e Joon Ho vinha de uma experiência muito negativa nesse sentido com Expresso do Amanhã, que produtores tentaram cortar e modificar. Em entrevistas, ele disse que pretendia fazer um filme bonito, sem se aprofundar nos problemas que pontua. Talvez essa decisão seja o problema: não se aprofundar em nada, não definir um tom e apenas focar na manjada amizade entre uma garota e seu bicho de estimação. Saem cachorros e cavalos, entra uma porca gigante.
Apesar de ser uma porca, Okja mais parece um hipopótamo. Dócil e amável, ela vive com Mija (An Seo Hyun) e o avô (Byun Hee-bong) como parte do projeto de uma empresa americana. A empresária Lucy Mirando (Tilda Swinton, de Doutor Estranho, 2016, e de Expresso) anuncia ao mundo a descoberta de uma nova espécie de porcos, escondendo o óbvio: eles são geneticamente modificados. Produzindo mais carne e causando um impacto ambiental menor, esses porcos são a solução de Mirando para a fome mundial. A empresa envia vários porcos para diferentes regiões do globo e acompanha o desenvolvimento deles por dez anos.
Já sabemos de antemão que, ao final do projeto, a menina e a porca serão separadas e o conflito é que moverá o filme. Um grupo de defesa dos direitos dos animais – liderado por um Paul Dano (de The Beach Boys, 2014) quase apático – se envolve e o drama se torna uma ação desenfreada. A menina, antes ingênua e humilde, vira algo perto de uma ninja mutante, já que tem fator de cura. As traduções, feitas por personagens bilíngues para que os demais se entendam, magicamente deixam de ser necessárias, dando a entender que só serviam para informar o espectador. O avô, um velhinho inofensivo e carinhoso, vira um insensível que manda a neta arrumar um marido. Há ainda um apresentador vivido por Jake Gyllenhaal (de Vida, 2017) que não passa de uma caricatura de mau gosto e um motorista de caminhão clichê que não fala simplesmente porque não está afim. E não nos esqueçamos do executivo à Renan Calheiros (Giancarlo Esposito, de The Get Down – acima), aquele que consegue prever sucessos e insucessos e sempre sobrevive às mudanças.
Swinton, que rouba a cena até quando é mencionada, é de longe a melhor coisa de Okja – mesmo lembrando a Cruela Cruel. Apesar de ela começar muito bem, demonstrando acreditar realmente nas loucuras que faz, sua empresa é pintada como maligna, onde até a recepcionista é tinhosa. Trazendo um ar moderno a esta fábula, o diretor usa e abusa de redes sociais e selfies, o que não deixa de ser outra crítica à sociedade rasa de hoje. Mas, no meio do caminho, fazem uma piadinha com fezes, mais uma vez mostrando que o filme não define para onde vai, e nem como.
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