Plano Real chega ao Cinema

por Marcelo Seabra

Quem tem menos de 25 anos não viveu o período da implantação do Plano Real e muitos outros não devem se lembrar do que houve. Chega essa semana aos cinemas Real – O Plano Por Trás da História (2017), longa que revisita esse momento da história brasileira. Com um tom que quer parecer descolado, ele mostra como estava a conjuntura política e econômica da época e acompanha o desenrolar dos fatos. Mas seu objeto de estudo é mais o economista Gustavo Franco que qualquer outra coisa. E a pretensão do projeto de ser mais do que é fica patente.

Logo no início, há uma conversa entre Franco (vivido por Emílio Orciollo Netto, de E Aí…Comeu?, 2012) e um colega de Harvard (Klebber Toledo) que deixa claro para qual lado pendem as ideias de cada um. Ele é acusado de neoliberal e desumano, enquanto o amigo é taxado de algo hoje conhecido como “esquerda caviar”. Por isso mesmo, essa conversa está mais atual do que nunca, já que as pessoas desfazem amizades e se afastam da família por não aturarem “coxinhas” ou “mortadelas”. Orciollo Netto, desde o início, mostra que vai depender de alguns maneirismos repetitivos para compor o personagem, como ajeitar os óculos e colocar dois dedos na bochecha.

Alguns nomes muito falados nos jornais da época, como Pedro Malan, Persio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha e Winston Fritsch, ganham novas caras. Clóvis Carvalho, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, tomou a frente das reuniões e era o gestor da equipe. FHC, tido como pai do Plano Real, só mostrava as caras para pedir resultados e ouvir as conclusões. Se o Real teve um pai, o filme insiste que se trata de Gustavo Franco. Em entrevistas, Itamar atribuiu o sucesso do plano aos vários ministros da Fazenda que teve, mas só vemos Fernando Henrique e Rubens Ricupero (Ricardo Kosovski), que entrou na vaga quando FHC saiu para se candidatar à presidência.

Segundo divulgou o site UOL, o produtor Ricardo Fadel Rihan afirmou se tratar de um filme apartidário. No entanto, sua fonte, o livro 3.000 Dias no Bunker – Um Plano na Cabeça e um País na Mão, é de Guilherme Fiúza (mesmo de Meu Nome Não É Johnny, também adaptado), articulista notório por seus ataques à esquerda. O elenco, que inclui atores conhecidos na telinha, tem posições partidárias diferentes, o que reforça a fala de Rihan. No filme, é possível perceber momentos em que se evita defender um lado, o discurso fica em cima do muro. Franco, por exemplo, é mostrado como arrogante e egocêntrico. Mas sua genialidade parece desculpar seus excessos, e aí sim a obra começa a pender para um lado.

Se percebemos o deputado Serra (Arthur Kohl) como uma figura não muito interessada em resolver o problema do Brasil, focado apenas nas eleições, FHC já aparece como um senhor bonzinho que visa o bem de todos. Não é o interesse aqui entrar em possíveis maracutaias da era FHC – o Ministro das Comunicações Serjão Motta, por exemplo, passa rapidamente na tela, e ele estaria envolvido em fraudes nas vendas de teles e na chamada “compra da reeleição”. Mas todos ficam muito corretos na tela, o que demonstra claramente uma simpatia com a direita. Itamar é um galinho de briga ligeiramente burro, fácil de ser zombado. E Franco, que ridiculariza o Partido dos Trabalhadores e seus adeptos, parece falar pelos realizadores.

Desde o trailer de Real, as referências a Quentin Tarantino já eram óbvias. Não satisfeito, o diretor Rodrigo Bittencourt, que diz em entrevistas querer valorizar o Cinema nacional, ainda cita o colega ao nomear faixas de sua autoria para a trilha sonora, buscando com todas as forças emular o estilo do norte-americano. Há ainda uma chamada Nirvana-style (ou algo assim), trazendo um pouco do grunge que tocava no rádio na época. Tudo isso para, a exemplo de A Grande Aposta (The Big Short, 2016), tornar palatável para o público um assunto pesado. O que é engraçado se pensarmos que, sempre que busca mostrar seus personagens pensando e tentando chegar a uma saída, eles são vistos escrevendo fórmulas matemáticas ininteligíveis.

Essa é apenas uma das cenas que querem ser grandiosas

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Olá,
    Recomendo vivamente o seu blog/site.
    Gostei muito do seu Post.
    Obrigado
    Pedro Miguel

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