por Marcelo Seabra
“Esta noite é a noite”. Assim começa uma das melhores séries que a TV já produziu. Exibida no canal Showtime e disponível na íntegra na Netflix, Dexter (2006-2013) durou oito temporadas e nos apresentou a um personagem fascinante: um serial killer carismático que canalizava sua necessidade de matar para a escória de Miami. Por incrível que pareça, um sujeito perturbado como esse consegue uma identificação com o público, que se vê torcendo para que ele não seja pego.
O segredo da simpatia de Dexter Morgan é a sua eterna inadequação. Por mais que aprenda a simular as emoções humanas, que não tem, ele está sempre deslocado, sem saber exatamente como reagir quando o assunto é relação interpessoal. Se é complicado concordar com as ações dele, fica fácil se ver na forma como ele se sente – guardadas as devidas proporções. Além de saber que o que faz é errado, Dexter não consegue ter empatia, amor ou qualquer coisa que ultrapasse o coleguismo. Ele vê a equipe do trabalho como competente, mas não se abalará nada caso alguém morra ou se fira. As cenas em que seu pai o ensina a sorrir para fotos chegam a ser comoventes, representado todos os jovens que se sentem inadequados.
Dexter (Michael C. Hall) é um técnico da polícia que examina respingos de sangue em cenas de crimes, ajudando a elucidar os casos. E ele tem uma vantagem sobre os demais: sua cabeça funciona como a dos assassinos que investiga, facilitando a ele chegar em respostas. A essa espécie de sexto sentido, ele dá o nome de “passageiro sombrio”, que é quase um ser que habita dentro dele, levando-o a matar, ajudando-o a limpar seus próprios crimes e a resolver outros.
A série, criada por James Manos Jr. (de Os Sopranos), já começa mostrando Dexter como um assassino frio e calculista como dificilmente houve outro. Depois, descobrimos se tratar de um trabalhador responsável, que busca ao máximo ter uma boa relação com a irmã, com a namorada e com os enteados. Em momento algum há uma glamourização da psicopatia, mas uma humanização do personagem. Adotado, ele foi criado por um casal amoroso, e seu pai logo viu que havia algo diferente nele.
Harry Morgan (James Remar – abaixo), um competente policial da delegacia de homicídios de Miami, percebeu que seu filho tinha prazer em matar animais, e era questão de tempo até que isso crescesse, chegando a pessoas. Para proteger o filho, ele criou um código e o embutiu na cabeça do menino: Dexter teria que buscar provas da culpa de suas vítimas antes de matá-las. Assim, era como se ele estivesse ajudando a polícia, fazendo justiça com as próprias mãos.
É interessante reparar como a série (e os livros) lança informações e, de tempos em tempos, as revisita, clareando o que não havia sido exposto em sua totalidade. Não há pressa em apresentar os diversos coadjuvantes, a maioria muito rica e igualmente interessante. Isso aguça a curiosidade e faz com que nos importemos com eles, além de aumentar a carga de tensão, já que o perigo nos episódios é real e todos podem se ferir em algum momento. As quatro primeiras temporadas são especialmente emocionantes, quando a série atinge seu ápice.
Para um ator, o papel de Dexter parece ser perfeito. Ele permite várias possibilidades, indo do mau ao bonzinho, do charmoso ao ameaçador. E coube a Michael C. Hall defendê-lo, o que ele faz magistralmente. Egresso do teatro, com início fazendo Shakespeare e passagens pela Broadway, ele já havia conquistado certa fama na série Six Feet Under (ou A Sete Palmos), pela qual foi até premiado. Como o simpático assassino, levou mais alguns prêmios e indicações, tendo voltado ao teatro no final da série, além de fazer filmes, participações esporádicas em episódios e dublagens em animações.
Em 2007, após um divórcio, C. Hall começou a namorar sua colega Jennifer Carpenter (acima), que vive a irmã de Dexter, a desbocada policial Debra. Os dois acabaram se casando em 2008, mas ficaram juntos apenas dois anos, permanecendo amigos. A atriz continuou na série normalmente, como todo o elenco. Nesses oito anos, nenhum papel precisou ser reescalado. Pelo contrário: houve várias participações especiais de atores convidados. O mais interessante, sem dúvida, foi John Lithgow, que apareceu na quarta temporada e ainda levou um Globo de Ouro e um Emmy como coadjuvante.
A música em Dexter é outra característica que chama a atenção. Como Miami tem forte influência cubana, e há muitos diálogos em espanhol (com personagens como Angel Batista e Maria LaGuerta), podemos ouvir várias canções famosas nessa língua, como Conoci La Paz e Perfidia. A trilha original, instrumental, parece trazer o mesmo humor do roteiro, com um quê de ironia que casa muito bem com as cenas. A apresentação, que não aparece no primeiro episódio, se torna indispensável, mostrando o psicopata nas mais corriqueiras ações – com o peso da trilha de Daniel Licht.
A unidade presente em todas as temporadas dá a impressão de um planejamento extenso por trás de Dexter. Mesmo que a atração chegue ao final com menos fôlego e tramas mais rasteiras, não há qualquer desrespeito com o público, que segue torcendo por seu maluco favorito. Há gente muito pior no mundo, é o que Dexter parece se dizer, justificando seu comportamento. Um exemplo é o Assassino do Caminhão de Gelo, o grande mistério da primeira temporada. E o episódio inicial termina com uma proposta irrecusável, para o protagonista e para o espectador: “Vamos brincar?”.
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Ótima resenha. Há muito não lia algo assim.
Parabéns!
Obrigado! Volte sempre!