por Marcelo Seabra
Melhor ator no Festival de Veneza, Oscar Martínez (de Relatos Selvagens, 2014) faz um personagem que se alterna bem entre a humildade e a arrogância, mostrando traços dos dois extremos quando necessário. Daniel Mantovani é um escritor laureado em vários países que ainda conseguiu a proeza de levar o Prêmio Nobel de literatura. Após se recusar a aparecer em diversas premiações, jantares, congressos e eventos mil pelo mundo, nos quais seria homenageado, ele decide aceitar o convite de sua cidade natal, a pequena Salas, a sete horas de distância de Buenos Aires.
Pouco depois de chegar à cidade, Mantovani já se recorda do porquê de ter partido. Ele morou na Europa desde seus vinte anos, quando saiu da cidade e nem olhou para trás, em busca de sua carreira. Ressentimento, situações mal resolvidas e inveja são alguns dos problemas que ele terá que enfrentar. Muitos de seus personagens refletem cidadãos salenses, e eles não costumam ser retratados de forma muito lisonjeira. Pelo contrário: Mantovani escreve sobre o pior no ser humano. E há ainda a politicagem que envolve o prefeito da cidade e os muitos compromissos previamente marcados que o escritor precisará comparecer.
O roteiro, escrito pelo igualmente premiado Andrés Duprat, não exime ninguém, nem o próprio Mantovani. Todos têm seus defeitos, suas hipocrisias, e isso vai acabar aparecendo. Duprat volta a trabalhar com a dupla de diretores e produtores Mariano Cohn e Gastón Duprat, seu irmão. Juntos, os três fizeram, por exemplo, O Homem ao Lado (2009), Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto (2011) e o documentário Living Stars (2014), todos projetos interessantes que provam que o Cinema argentino não vive apenas de Ricardo Darín.
Entre situações previsíveis, outras não tanto e algumas surpreendentes, O Cidadão Ilustre consegue um ótimo resultado. O drama é o gênero que impera, mas há momentos muito engraçados que dão uma quebrada bem-vinda. É no mínimo estranho ver as pessoas da cidade seguindo o escritor, e até filmando-o com celulares, como se ele fosse de outro mundo. E a tensão, quando surge, vai deixar muita gente apreensiva. O elenco, bem equilibrado, também ajuda muito, fazendo o espectador ter pena de certos moradores, mais patéticos que maus, e receio quanto a outros, que parecem à beira de fazerem algo drástico. Com mais uma obra admirável, depois de Insubstituível (2016) e Além das Palavras (2016), ficamos no aguardo dos próximos filmes da Cineart.
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