por Caio Lírio
Para muitos, filmes como Depois do Casamento (Efter Brylluppet, 2006) podem soar como um verdadeiro dramalhão. Analisando com mais afinco, vemos que o projeto é mote para discussões múltiplas de cunho político e sócio-cultural. A trama, por exemplo, apresenta uma Índia de pobreza em contraste com uma Dinamarca de ricos e poderosos, frisando, mesmo que de maneira explícita, ou pouco sutil em alguns momentos, que dinheiro e poder não são tudo.
Para trazer à tona seus anseios, Susanne Bier conta uma história de erros da juventude que acabam se refletindo em dilemas na maturidade. Provenientes do Dogma 95 – movimento cinematográfico internacional lançado a partir de um manifesto publicado em Copenhague, na Dinamarca – os longas da diretora (que venceu o Emmy 2016 na categoria Melhor direção de minissérie ou telefilme por The Night Manager) trazem uma variedade cultural provocativa para apresentar ao público uma espécie de passe livre aos temas e tramas de fundo emocional da própria realizadora.
A trama gira em trono de uma família que se desmorona e, através da temática do casamento, aborda e questiona problemas éticos agravados pela fragilidade humana. Inicialmente, o protagonista, vivido pelo ator Mads Mikklesen (de A Caça, 2012 – acima), surge como um idealista que comanda um orfanato na região da Índia. A instituição está prestes a fechar por falta de recursos quando um filantropo dinamarquês lhe oferece capital suficiente para reerguer as obras sociais, mas faz uma exigência: ele terá de voltar à Dinamarca para o casamento da filha do milionário.
Ao fazê-lo, ele descobre que a mulher com quem seu benfeitor está casado é sua ex. Isso, claro, é só o começo para uma série de situações e revelações drásticas que levanta ainda mais o real valor da família hoje. Perceba, por exemplo, como existe uma quebra de paradigma que acontece no meio da narrativa, quando o personagem Jorgen (Rolf Lassgård, de Um Homem Chamado Ove, 2015), que até então aparentava ser um rico e arrogante explorador, se revela um homem exemplar ao colocar todos que ama acima de qualquer tipo de vaidade.
O filme de Susanne tem muito a ver com Festa de Família (Festen, 1998), de Thomas Vinterberg – também representante importante do Dogma 95. Ele coloca seus personagens em aparente comunhão, em decorrência de um evento, mas na verdade aquilo tudo é apenas pano de fundo para o desenrolar de situações perturbadoras e mal resolvidas dentro do ceio familiar. Bier, então, parte desta premissa para mostrar que nem toda família é tão perfeita assim e que, em determinado instante, esses enfrentamentos entre seus membros vão acontecer, máscaras irão cair, verdades e mentiras vão vir à tona.
Outro contraste que alimenta bastante o projeto é aquele apresentado como crítica social e política ao mostrar a pobreza do Terceiro Mundo. Vemos a dedicação de um homem abnegado e o ego exacerbado de um elitista selvagem, que parece mais interessado em amenizar a culpa de sua consciência burguesa com meros trocados para crianças em estado de quase miséria, como uma espécie de falsa redenção. A disparidade fica ainda mais escancarada (e muitas vezes óbvia) quando a diretora apresenta os espaços amplos e suntuosos de Copenhague em grande contraste com os apertados cortiços e vielas de Bombaim.
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