Paterson é poesia em movimento

por Marcelo Seabra

A poesia presente em nossas vidas fica mais aparente em Paterson (2016), novo trabalho de Jim Jarmusch (de Amantes Eternos, 2013). Fugindo de fórmulas e de grandes emoções, o diretor e roteirista se foca em uma pessoa simples para mostrar como a sensibilidade pode transformar o dia a dia. E como até aquele seu vizinho aparentemente comum pode guardar um grande talento, que vai permanecer oculto se não houver ambição. Talvez por isso, alguns artistas só ganham fama após a morte.

Paterson (Adam Driver, de Star Wars – O Despertar da Força, 2015) divide seu nome com a cidade onde mora, em Nova Jersey. Vai todo dia trabalhar na companhia de trânsito, para a qual dirige o ônibus municipal, e volta no fim do dia para a bela e criativa esposa (Golshifteh Farahani, de Êxodo: Deuses e Reis, 2014). Sai com o cachorro para caminhar, para no bar para um chopp, joga conversa fora e segue para a cama. Mesmo aos finais de semana, acorda cedo e inventa algo para fazer.

Essa rotina aparentemente maçante satisfaz o sujeito, que vive feliz com Laura. A poesia é a válvula de escape que traz mais satisfação à vida dele. É no papel que ele coloca sua emoção, suas observações sobre o mundo. Os poemas transitam entre assuntos, dos mais mundanos aos mais essenciais, e nascem nos lugares mais inusitados, de inspirações corriqueiras, mostrando que não é preciso algo extraordinário acontecer para que o poeta se expresse – algo também visto em Além das Palavras (A Quiet Passion, 2016). Emily Dickinson, não por coincidência, é das poetisas favoritas de Paterson.

Se pararmos para pensar, a vida do protagonista é uma fantasia. Ele tem uma casa boa, confortável. Não falta nada quanto a alimentação, lazer. Até um cachorro ele tem. A esposa tem condições de se dedicar às paixões dela, como música e cozinhar, e apoia a escrita do marido. Com apenas uma fonte de renda fixa na família, e sendo ela de um emprego não muito valorizado, como o próprio Paterson afirma em determinado momento, é de se estranhar a tranquilidade com que eles vivem. Longe da violência, poluição e correria do mundo real.

Na fotografia do veterano Frederick Elmes (de Amaldiçoado, 2013), a cidade de Paterson passa uma paz inacreditável para os padrões de hoje. Lugares vazios, muito verde e água corrente, de onde Paterson – o homem – tira ideias simples para poemas bem construídos. Driver está no tom exato que o filme demanda, com um olhar sereno e uma postura paciente e compreensiva. Quem ficar à espera de algo grande, espetacular, vai se decepcionar. Paterson – o filme – é sobre as pequenezas da vida, a poesia que se esconde na rotina e só as pessoas de sensibilidade aguçada conseguem ver.

Driver fez até curso para virar motorista licenciado

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Eu era fã do diretor Jim Jarmusch e não sabia. rs
    Tipo de obra que merecia mais compreensão e atenção do público.

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