A Cabana é mais autoajuda no Cinema

por Marcelo Seabra

A beleza de obras de autoajuda é não fazer discernimento algum de público. Não há preconceito contra cor, gênero, religião, orientação sexual, nada. Pode irritar a todos da mesma forma. É claro que tem quem consuma, ou os livros não venderiam tantos exemplares. Um deles é A Cabana, recordista de vendas que agora chega aos cinemas (The Shack, 2017). E que não fique dúvidas: recheado de lições de vida.

Publicado há exatos dez anos, o texto levantou polêmicas quanto à representação da Santíssima Trindade. Enquanto alguns consideravam heresia a forma de mostrar divindades, outros viram como uma ótima alegoria. O autor da primeira versão, William P. Young, começou o projeto apenas para seus filhos e, logo, os amigos apontaram o potencial comercial. Junto com dois pastores, Wayne Jacobsen e Brad Cummings, e um cineasta, Bobby Downes, ele deu o formato como o conhecemos. A publicação foi bancada por eles e a propaganda boca a boca trouxe o inesperado sucesso.

Era questão de tempo até que A Cabana chegasse ao Cinema. Muito foi dito sobre a “linguagem cinematográfica” do livro, o que poderia facilitar sua adaptação. No entanto, foram necessários três roteiristas – apenas um deles, John Fusco, é digno de nota (do segundo O Tigre e o Dragão, de 2016). O diretor, Stuart Hazeldine, fez sua estreia com o curta Christian (2004), o que já demonstra certa propensão ao tema. Este é o seu segundo longa e ele não aparenta ter nenhuma característica relevante, não há qualquer opção chamativa, brilhante. Pelo contrário: tudo é bem convencional. Ao menos, não é ruim como o nosso O Vendedor de Sonhos (2016).

Entre idas e vindas no tempo, conhecemos Mack Phillips (Sam Worthington, de Até o Último Homem, 2016), sua esposa (Radha Mitchell, de A Escuridão, 2016) e os três filhos, família mostrada como exemplo para a comunidade, daquelas que vai à missa toda semana. Sabemos que uma tragédia vai acontecer e Mack ficará extremamente abatido. Num fim de semana sozinho em casa, ele recebe um convite estranho: ir até a cabana onde a tragédia aconteceu para um suposto encontro com Papa, o nome que a esposa usava para falar de Deus. Ou seria o assassino que o esperaria lá?

Não há qualquer tentativa de suspense, por mais que a sinopse dê a entender. A estadia na cabana se torna uma jornada de autoconhecimento morna e lá conhecemos os personagens de Octavia Spencer (de Estrelas Além do Tempo, 2016), do israelense Avraham Aviv Alush e da japonesa Sumire (acima). A diversidade étnica e de gênero é uma preocupação clara da produção, que ainda traz em seu elenco o astro da música country Tim McGraw, a brasileira Alice Braga e o veterano de origem indígena Graham Greene. Ter Deus interpretado por uma mulher, e negra, deve fazer muitos fundamentalistas virarem a cara.

Cheio de boas intenções, este A Cabana certamente irá levar um bocado de gente às lágrimas, praticamente apelando e cortando cebolas na sala. É muito triste, sim, ver um pai perder a filha e cair em depressão. Mas também é bem chato ver um filme que não consegue engatar, fica dando voltas e, de repente, tudo é magicamente resolvido. Pena que, na vida, as soluções não venham tão facilmente.

A típica família americana

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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