por Marcelo Seabra
Os melhores filmes entre os mais recentes da saga Star Wars seguem sendo aqueles sem a presença de George Lucas. Os diálogos horrendos ficaram para trás e Rogue One: Uma História Star Wars (2016) consegue a proeza de se sustentar sozinho, mesmo sem os personagens clássicos e tendo a tarefa de nos apresentar aos novatos desse rico universo. O longa tem outro compromisso complicado: chegar a um ponto que todos os fãs da série conhecem e, mesmo assim, trazer ar fresco, amarrando a brecha entre as duas trilogias.
Como sabem os iniciados, a trilogia clássica é a intermediária entre a outra já completa e a iniciada com O Despertar da Força (The Force Awakens, 2015). Ou seja: primeiro vieram os episódios IV a VI, depois os de I a III e, só no ano passado, o sétimo. A história de Rogue One corre por fora por não envolver os Skywalkers, Han Solo e companhia, mas não deixa de ter participações especiais – algumas recriadas por computação gráfica. Com argumento de dois conhecidos da franquia, Gary Whitta (roteirista da série Star Wars Rebels) e John Knoll (supervisor de efeitos visuais da trilogia I-III), mas roteiro dos não-iniciados Chris Weitz (de Cinderela, 2015) e Tony Gilroy (dos quatro Bourne), o longa ainda se beneficiou de ter outro olhar “de fora”: o do diretor, Gareth Edwards (de Godzilla, 2014).
Em mãos competentes e “não viciadas”, digamos assim, o filme consegue honrar seus antecessores e caminhar com as próprias pernas. A ótima trilha sonora, do prolífico Michael Giacchino (de dois Star Trek), representa exatamente o que o todo é: inspirada no clássico, rumo ao novo. Os personagens são desenvolvidos o suficiente para entendermos suas motivações e nos importarmos com eles. E a diversidade é bem-vinda: temos uma mulher no posto principal e várias etnias compondo o grupo, com um latino, dois chineses, americanos e europeus, brancos e negros, todos bem misturados. Afinal, se eles têm facilidade para viagens interplanetárias, faz sentido ter esse tanto de gente diferente junto. Grupos de extrema direita norte-americanos não gostaram e propuseram boicote, e os mais de 150 milhões de dólares de arrecadação em três dias mostram que não deu certo.
Apresentada nos trailers, a protagonista é Jyn Erso (Felicity Jones, de Inferno, 2016 – acima), uma órfã criada pelo líder rebelde Saw Gerrera (Forest Whitaker, de A Chegada, 2016). De tão extrema é a sua posição, Gerrera se afastou da Aliança Rebelde e levou seus seguidores para um planeta afastado. Quando a Aliança descobre que Jyn é, na verdade, filha de um cientista que trabalha em uma grande arma para o Império, decide usá-la para chegar até ele. Diego Luna (de Herança de Sangue, 2016) vive o representante da Aliança que acompanha Jyn e eles lideram um grupo que acaba sendo a esperança de vencer o Imperador e seus asseclas. A palavra esperança, inclusive, é muito bem utilizada, o que dá total sentido ao título do Episódio IV – Uma Nova Esperança (A New Hope, 1977). E a Força aparece como uma religião, mostrando a necessidade do homem de acreditar no sobrenatural para seguir em frente.
Mesmo não seguindo os padrões estéticos da saga, como o letreiro inicial e a mudança de cena com quadros passando, Rogue One se encaixa bem. Cenários criativos não faltam, com diversos planetas e luas, todos devidamente povoados, com comércio e características bem específicas. A questão política aparece provavelmente da forma mais contundente em toda a série. Gerrera é um extremista não tolerado até pelos outros rebeldes, o que seria a representação da desunião das esquerdas de hoje – algo muito presente no Brasil. O Diretor Krennic, vivido pelo sempre excepcional Ben Mendelsohn (de Bloodline – abaixo), parece acreditar cegamente no Império e justifica o uso de violência como meio para a paz, algo que o Terceiro Reich assinaria embaixo. Krennic busca a aprovação do Imperador quase como numa relação pai e filho, tamanha é a sua admiração pela figura. Darth Vader (com a marcante voz de James Earl Jones) deixa de ser um capanga e assume o papel que ganhou nas produções mais recentes: o de braço direito do Imperador, o representante do lado negro da Força.
É interessante notar que não só o Império tem sua parcela de culpa. O personagem de Luna admite que fez coisas reprováveis em nome da revolução, da causa, o que dá ao filme uma profundidade rara nos blockbusters de hoje. Mads Mikkelsen, que finalmente deixa de lado o papel de vilão (depois de Cassino Royale, Hannibal e Doutor Estranho), vive um sujeito atormentado, o tal cientista cooptado pelo Império a construir uma arma de enormes proporções. A relação entre ele e Krennic também é bem interessante, deixando transparecer uma amizade há muito eclipsada por posições políticas. Só o que nunca poderia mudar é a mira terrível dos Stormtroopers, que não matam ninguém. E, enquanto rebeldes levam vários tiros e continuam na luta, os soldados morrem com uma lufada de vento.
Ainda que não seja perfeito, perdendo força no final, Rogue One consegue um resultado melhor até que O Despertar da Força. O fato de ser tudo novidade trabalha a favor, não entramos com preconceitos e expectativas – o que potencializa a surpresa de uma ótima aventura. Os efeitos especiais tornam tudo possível, até que consigamos distinguir entre os andróides do Império e um reprogramado pela Aliança – graças também à interpretação de Alan Tudyk (de Zootopia, 2016). Misture nesse caldo alguns afagos aos fãs, como a participação de Bail Organa (Jimmy Smits, de The Get Down), e a receita de sucesso estará completa.
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Parabéns pela crítica! Observações excelentes!
Valeu, Roberto!
Poxa cara, mas que saco, tudo no Brasil hoje em dia tá virando "Esquerda x Direita", nem o Star Wars escapa, caramba!
Eu vim aqui ler uma resenha de filme para me entreter um pouco e você conseguiu transformar em uma critica política à "direita", sério mesmo, o Brasil está ficando insuportável.
Daqui a pouco vai vir alguém aqui pra provar que o Império na verdade é a realização da utopia esquerdista do governo controlando a vida de todos como queria o PT e pronto, tá armado o circo que virou este país.
Meu caro Machado, como você pode perceber pelo filme e pelos noticiários internacionais, essa dicotomia não está só no Brasil, mas nas vidas de todos. Se você buscar críticas de fora, verá que não fui só eu a observar isso. E a inspiração no Reich de Hitler é algo bem óbvio. Abraço e volte sempre!
Pode parecer heresia, mas acho que esse é o melhor de todos os filmes da série.
E você não é o único, Vítor!