Monjardim filma autoajuda de Cury

por Marcelo Seabra

Poucos filmes este ano serão tão irritantes quanto O Vendedor de Sonhos (2016), nova produção assinada pelo diretor de novelas Jayme Monjardim. Baseado em um bestseller de autoajuda, o roteiro é um amontoado de frases feitas e rasas proferidas por quem supostamente seria de alto desenvolvimento espiritual e intelectual e estaria pronto para guiar a humanidade, sem conseguir no entanto dar rumo à própria vida. Se não bastasse a chatice dos diálogos, há ainda um sem-número de situações totalmente implausíveis que podem tirar o público não só do filme, mas da sala de cinema.

Com vários livros publicados, Augusto Cury é possivelmente o autor brasileiro mais vendido no país. Psiquiatra, pesquisador e coach, Cury é especialista em inteligência emocional e no funcionamento da mente. Em meio ao tratamento de pacientes, palestras em conferências e diversas outras atividades ligadas à saúde, ele arruma tempo para escrever livros e só a série iniciada com O Vendedor de Sonhos já conta com quatro volumes: duas sequências e um derivado. Pelo trailer do filme, dá para ter uma ideia do tipo de pensamento que é difundido pelo doutor. “Quem é você? – Por que você não vem com a gente? A gente tenta descobrir isso juntos”. “O primeiro a ser beneficiado pelo “perdón” é aquele que perdoa, e não o perdoado”. Esses são alguns exemplos.

O trailer, aliás, falha miseravelmente na tentativa de chamar atenção para o longa, sendo apenas uma versão reduzida dele. Vendo o trailer, dá para saber tudo o que acontece no filme e ter uma amostra desse tipo de diálogo canhestro, economizando noventa minutos na vida do público. “O ser humano não morre quando o coração para de bater. Morre quando, de alguma forma, deixa de se sentir importante”. “O segredo do sucesso é conquistar aquilo que o dinheiro não pode comprar”. Se há dois pequenos mistérios – nada interessantes, diga-se de passagem – na trama, o trailer já entrega tudo de bandeja.

Quando o suplício começa, conhecemos o Dr. Júlio César (Dan Stulbach, de Meu Amigo Hindu, 2015), um psiquiatra famoso e concorrido, professor da universidade, que se encontra em um momento difícil e, sem ver outra saída, vai para o parapeito de seu prédio pensando em pular. Magicamente, um mendigo (César Troncoso, o primo Pablo de Faroeste Caboclo, 2013) entra no prédio, passa por todos e vai também para o parapeito. Lá em cima, após uma rápida conversa, o tal psiquiatra fodão vê a bobagem que estava a ponto de fazer e desiste. Instigado por aquela figura desgrenhada, ele sai andando pela cidade recebendo mais pérolas de sabedoria. Junta-se à dupla um terceiro elemento, um mendigo ridículo (Thiago Mendonça, o Renato Russo de Somos Tão Jovens, 2013) que deveria ser o alívio cômico, mas fica apenas fazendo piadinhas imbecis e repetindo o que os outros dizem.

Stulbach, normalmente um bom ator, parece perdido tendo que seguir um texto tão ruim. Troncoso, com um sotaque intragável, emenda lição em lição e é outro que sai prejudicado. O resto do elenco, dentre os quais o experiente Leonardo Medeiros (de Getúlio, 2014), também não consegue fugir do inevitável. É o quarto roteiro no ano do prolífico L.G. Bayão, que tem O Último Virgem estreando também este mês. Com tantas atividades e uma base tão ruim, fica complicado entregar algo bom. E o diretor é o mesmo culpado por Olga (2004) e O Tempo e o Vento (2013), dois filmes terríveis com cara de novela em que pouca coisa funciona. Não há qualquer sutileza, até a trilha sonora marca os pontos ditos dramáticos e não sai do lugar comum.

Como obra de autoajuda, O Vendedor de Sonhos é difícil de engolir. Como Cinema, é muito pior, a pobreza de seus elementos é gritante. O final, sem adiantar nada, não faz o menor sentido, marcado por coincidências e explicações atropeladas. Achar que dá para reverter um quadro de depressão com meia dúzia de jargões vazios é abusar da boa vontade e inteligência do público. O único alívio que dá para sentir é o momento em que as luzes se acendem. “Não tenha medo do caminho. Tenha medo de não caminhar”. Se for pra longe disso, não caminhe. Corra.

“O homem é bom, é a sociedade que o corrompe”

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Marcelo Seabra, não tenho nem como lhe agradecer, que merda de filme o cara fez, heim?

  • Pelo menos o filme tem um mérito, gerou esse texto para minha diversão. Parabéns pelo estômago de ter ficado até o fim da sessão.

  • Sr. Marcelo

    Digno de pena com toque de repugnância é o seu comentário o qual o sr. entitula de blog, crítica especializada ou algo similar.

    Graças a "profissionais" como vc é que hj em dia qualquer um pode ser jornalista ou especialista em qualquer assunto que deseja

    Meus pêsames.

    • Sra. Bárbara, seria possível precisar qual seria o grande problema com o texto? Espero ao menos que a Sra. tenha assistido ao filme. Um abraço.

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