por Marcelo Seabra
Já começar um longa sobre um cantor com uma de suas músicas mais famosas, totalmente fora de contexto, para depois retomar o rumo certo é como afirmar que, se tudo der errado, ao menos começamos bem. Assim é Elis (2016), mais um oferecimento Globo Filmes que, como é costume na produtora, tem cara de novela. Hugo Prata, advindo da TV, faz sua estreia no Cinema, dirigindo e escrevendo o longa que mais parece um um road movie sem estrada. No lugar dela, os fatos da vida da cantora.
Indiscutivelmente uma das maiores artistas da música brasileira, de todos os gêneros, Elis Regina era chamada de Pimentinha por ter um gênio forte, combativo, além de um vozeirão que se contrapunha aos miados da bossa nova. Ela mesma criticava o estilo de cantar de gente como Nara Leão, que promovia shows mais intimistas, e partia para as grandes platéias em estádios, ginásios e onde fosse. Esse traço contestador da personalidade de Elis aparece no filme, mas não o impede de ser convencional como dúzias que surgem todos os dias.
Co-escrito pelos experientes Luiz Bolognesi (de Bicho de Sete Cabeças, 2000) e Vera Egito (de Amores Urbanos, 2016), o roteiro se limita a passar pelos acontecimentos mais importantes, pulando de um para o outro como quem se dá logo por satisfeito e alguém, com a lista nas mãos, dissesse “próximo”. Nada é aprofundado e o conhecimento prévio que temos vai preenchendo as lacunas, se tivermos. Acompanhamos o início da carreira, quando o pai (Zécarlos Machado, de Sessão de Terapia) rapidamente é descartado, o estouro em São Paulo, casamento etc. Tudo pontual, superficial, como quando mostram um copo de Whisky para indicar alcoolismo.
É comum, em filmes sobre cantores, que o intérprete se destaque mais que a obra como um todo. Mas, mesmo que Andréia Horta tenha se destacado em séries como Alice (2008) e A Cura (2010), entre outros, como Elis ela não tem seu melhor momento. Mineira, ela não consegue disfarçar seu sotaque e acaba misturando algumas expressões gaúchas e outras da época, compondo um samba do crioulo doido. Isso, além de abusar de caretas e sorrisos forçados. Quem se sai muito bem em sua composição é Gustavo Machado (de Disparos, 2012 – acima), que faz um Ronaldo Bôscoli cafajeste e carismático ao mesmo tempo. É difícil entender, na correria do filme, como uma mulher forte e decidida como Elis se tornaria uma menina boba frente ao conquistador Bôscoli, o Velho. Outro que se sai bem é Caco Ciocler (de Um Namorado Para Minha Mulher, 2016), que faz um César Mariano tranqüilo, simpático e compreensivo. Lúcio Mauro Filho e Júlio Andrade são outros destaques, todos muito bem em suas tarefas.
A reconstituição de época é correta, assim como a fotografia. Mas não deixa de ser clichê passar pelos pontos mais do que conhecidos. Para mostrar que eles chegaram ao Rio, por exemplo, nada mais fácil que mostrar o mar de cara. É interessante conhecer algumas anedotas da vida da Pimentinha, mas ela merecia um filme mais corajoso, menos quadrado.
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